top of page

Create Your First Project

Start adding your projects to your portfolio. Click on "Manage Projects" to get started

As Festas do Espírito Santo em Macedos de Cavaleiros: Tradição, Fé e o Poder da Comunhão

Tipo de Projeto

O quotidiano

Data

Janeiro 2023

Localização

Idaho, USA

Em Macedos de Cavaleiros, Aldeia 12, uma das quinze que se estendiam ao redor de Santa Comba, Cela, as Festas do Espírito Santo não eram apenas um evento religioso, mas sim o momento em que as raízes profundas da nossa cultura e fé se manifestavam de forma grandiosa.
Desde que meu avô, João da Rocha Machado Salvador, chegou a essa região antes de 1950 com meus tios e tias, a nossa família sempre esteve ligada a essa celebração. Os Açoreanos que se estabeleceram ali trouxeram consigo essa tradição secular que enchia de vida as aldeias, unindo as famílias em torno de valores de fé, esperança e solidariedade.

As Festas do Espírito Santo sempre começavam muito antes da data oficial. Naquela época, todos sabíamos que o anúncio de quem seria o mordomo para o próximo ano seria um momento de grande emoção. Quando a nossa família foi escolhida, a responsabilidade caiu sobre os ombros de cada um de nós. Lembro-me da animação na casa do meu avô quando a notícia foi anunciada. Ele, com aquele sorriso sereno e tranquilo, sabia que nossa família estava pronta para a tarefa. Embora eu fosse jovem, compreendi logo a importância daquele momento. Ser mordomo significava muito mais do que apenas organizar a festa; era uma forma de mostrar à comunidade nossa devoção, nosso compromisso e nossa gratidão ao Espírito Santo.

Nos meses que antecediam a festa, nossa casa tornou-se um verdadeiro quartel-general de preparação. As reuniões familiares tornaram-se mais frequentes, e cada detalhe era discutido com seriedade. Desde a escolha das fitas e bandeiras que iriam decorar a aldeia até a organização das procissões e da distribuição das Sopas do Espírito Santo, tudo era meticulosamente planejado. As mulheres da família, especialmente minha mãe e minhas tias, passavam dias discutindo as melhores receitas para o caldo, certificando-se de que tudo estaria perfeito no grande dia.

Meu papel naquelas preparações era fundamental para mim. Lembro-me claramente de ajudar meu pai e meus tios a instalar a iluminação ao redor do celeiro. Eu era responsável por esticar os fios, prender as lâmpadas e garantir que, à noite, a luz se espalhasse de maneira uniforme, iluminando cada canto da aldeia. Havia algo de quase mágico em ver aquelas luzes acenderem-se no final do dia, após horas de trabalho. Era como se estivéssemos criando uma conexão direta entre o céu e a terra, um elo luminoso que guiava nossos passos durante a festa.

No dia da celebração, o ritmo da aldeia mudava. O aroma das Sopas do Espírito Santo começava a invadir as ruas desde o início da manhã. A carne cozinhava lentamente em grandes panelas, o pão fresco era preparado e os legumes cortados com precisão. Toda a comunidade se envolvia, e a nossa casa, como mordomos, estava no centro dessa efervescência. Lembro-me de minha mãe, com seu avental branco, coordenando as cozinheiras com um olhar experiente, garantindo que cada detalhe estivesse perfeito.

A procissão, um dos momentos mais emocionantes do dia, trazia uma sensação de reverência. O som das bandas filarmônicas, que ecoavam pelos campos, misturava-se com as vozes dos fiéis que cantavam hinos ao Espírito Santo. Eu caminhava ao lado dos meus familiares, observando o imperador levar a Coroa com uma postura digna, símbolo maior da nossa devoção. À medida que atravessávamos as ruas, decoradas com flores e bandeiras, eu sentia uma profunda conexão com meus antepassados. Era como se, naquele momento, as distâncias entre o passado e o presente desaparecessem, e nós estivéssemos todos unidos sob o mesmo céu, celebrando a mesma fé.

Após a procissão, o grande momento do Almoço das Sopas do Espírito Santo acontecia. Era um verdadeiro espetáculo ver as mesas longas, dispostas no centro da aldeia, repletas de tigelas de caldo fumegante, pão, e os rostos ansiosos da comunidade. Eu, juntamente com outros membros da minha família, ajudava a servir as sopas. A sensação de estar ali, distribuindo aquele alimento sagrado, era indescritível. As sopas, preparadas com tanto carinho e dedicação, simbolizavam mais do que simples sustento físico. Elas eram o reflexo da nossa partilha, da nossa comunhão enquanto comunidade.

Naquele dia, a aldeia se tornava um verdadeiro santuário. Os campos em volta enchiam-se de vida, com as crianças a correrem e a brincar, enquanto os adultos se envolviam em conversas e risos. Mas o ponto alto da tarde era sempre o jogo de futebol entre as aldeias vizinhas. Aquilo não era apenas um jogo; era uma verdadeira batalha de orgulho e honra. As equipes, formadas por jovens cheios de energia e entusiasmo, disputavam a partida sob os olhares atentos da multidão. Cada golo era comemorado como se fosse o último, e as risadas e provocações amistosas enchiam o ar.

Depois, vinha o momento de maior adrenalina: a tourada à portuguesa. Embora não fosse uma tourada tradicional, a versão local trazia toda a emoção e tradição que nossos antepassados açorianos preservaram. Eu assistia com os olhos arregalados, fascinado pela coragem dos forcados, que enfrentavam o touro com uma bravura quase mitológica. Os cavaleiros, com sua destreza e habilidade, moviam-se com elegância ao redor do animal, criando uma dança perigosa, mas de uma beleza incontestável. Era como se, naquele momento, toda a energia da festa se concentrasse ali, naquele redondel, e cada um dos presentes segurasse o fôlego, esperando o desfecho de cada movimento.

Quando a noite finalmente caía, as luzes que eu tinha ajudado a instalar brilhavam com uma intensidade renovada. A música começava a tocar, e a aldeia transformava-se numa verdadeira pista de dança ao ar livre. As famílias, os amigos e os vizinhos juntavam-se, e as risadas e canções ecoavam pelas colinas. O som do acordeão misturava-se com o ritmo das palmas, e os pares dançavam sob o céu estrelado, enquanto o Espírito Santo, acredito eu, observava tudo com um sorriso.

Para mim, aquelas noites eram momentos de pura magia. A sensação de liberdade, de pertencimento, de alegria era quase palpável. Eu dançava com meus primos e amigos, rindo e cantando, sentindo o calor da festa envolver-me como um manto. E quando a música finalmente cessava, e as luzes começavam a apagar-se, ficava no ar uma sensação de plenitude, como se a aldeia tivesse sido abençoada com algo além da compreensão.

As Festas do Espírito Santo em Macedos de Cavaleiros não eram apenas uma celebração religiosa. Elas eram a alma da nossa comunidade, um elo invisível que nos unia ao passado e nos projetava para o futuro. Elas moldaram não só a minha identidade, mas também a de todos aqueles que tiveram o privilégio de participar. Mesmo hoje, tantos anos depois, cada detalhe, cada som, cada cheiro ainda está gravado na minha memória. Porque essas festas eram, e sempre serão, a verdadeira essência da nossa fé, da nossa cultura e da nossa história.

bottom of page