Relatório de Livro: “Alcora” de Vicente de Paiva Brandão

Título: Alcora: A Derradeira Tentativa de Manter o Ultramar Português

Autor: Vicente de Paiva Brandão
Editora: Casa das Letras
Ano de Publicação: Desconhecido
Número de Páginas: Desconhecido

Introdução
“Alcora” é uma obra fascinante de Vicente de Paiva Brandão que explora um capítulo complexo e pouco discutido da história colonial portuguesa, particularmente no contexto da África Austral. Este livro é um relato minucioso e revelador sobre a aliança secreta militar entre Portugal, a África do Sul do apartheid e a Rodésia (atual Zimbábue) governada por uma minoria branca, conhecida como o “Exercício Alcora”.

A obra investiga as últimas tentativas desesperadas desses regimes em preservar seus domínios coloniais num período de grandes mudanças geopolíticas e sociais, enquanto enfrentavam a crescente pressão dos movimentos de libertação e da comunidade internacional.

Contexto Histórico
Para compreender a importância do Exercício Alcora, é essencial situá-lo no contexto das últimas décadas do colonialismo português e dos tumultos que varreram a África Austral nas décadas de 1960 e 1970. Portugal, sob o regime autoritário de Salazar e depois de Marcelo Caetano, enfrentava guerras de independência em várias de suas colônias africanas, incluindo Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.
Esses conflitos, conhecidos coletivamente como a Guerra Colonial Portuguesa, colocaram uma pressão considerável sobre o país, tanto em termos de recursos quanto de moral nacional.

Simultaneamente, a Rodésia e a África do Sul enfrentavam suas próprias crises internas. A Rodésia, sob o governo de Ian Smith, declarou unilateralmente sua independência da Grã-Bretanha em 1965, recusando-se a transferir o poder para a maioria negra. A África do Sul, por sua vez, estava envolvida na implementação do apartheid, um sistema de segregação racial que a isolava cada vez mais do resto do mundo.
Ambos os regimes viam-se cercados por países que ganhavam independência sob governos de maioria negra, muitas vezes alinhados com movimentos socialistas e apoiados pela União Soviética e China.

Diante dessa conjuntura, o Exercício Alcora foi criado como uma forma de resistência conjunta, permitindo que esses regimes coordenassem esforços militares e de inteligência para combater as forças nacionalistas e comunistas que ameaçavam desestabilizar a região. Embora mantido em segredo na época, a aliança desempenhou um papel crucial na sustentação dos esforços coloniais e na resistência ao avanço do comunismo na África Austral.

Resumo do Conteúdo
O livro de Vicente de Paiva Brandão é uma obra de investigação histórica detalhada, que busca revelar os bastidores do Exercício Alcora, uma aliança que, por muitos anos, permaneceu envolta em mistério e sigilo. O autor explora a criação, a evolução e o impacto dessa aliança, oferecendo ao leitor uma visão única sobre as estratégias políticas e militares adotadas por Portugal, Rodésia e África do Sul durante o período crítico de descolonização.

Criação do Exercício Alcora
O “Exercício Alcora” foi formalmente estabelecido em 1970, mas suas raízes podem ser traçadas até os anos 1960, quando os primeiros contatos entre os regimes foram feitos. O livro revela como os líderes desses países perceberam que, isoladamente, teriam dificuldades em resistir às pressões internas e externas que ameaçavam derrubar seus regimes. A aliança foi vista como uma forma de maximizar recursos, compartilhar informações e coordenar ações militares de maneira eficaz. Brandão destaca as negociações iniciais e os desafios enfrentados na criação dessa aliança, incluindo as diferenças ideológicas e as desconfianças mútuas que precisaram ser superadas.

Estratégias e Operações Conjuntas
Um dos pontos fortes do livro é a análise detalhada das operações conjuntas realizadas sob o guarda-chuva do Exercício Alcora. A obra documenta as várias formas de cooperação militar, desde o treinamento conjunto de tropas até operações de inteligência e sabotagem contra os movimentos de libertação. O autor apresenta exemplos concretos de missões realizadas, discute a logística por trás dessas operações e oferece insights sobre a eficácia das mesmas. A colaboração ia além do campo de batalha, abrangendo também o apoio logístico, o intercâmbio de tecnologias militares e a criação de estratégias para combater a propaganda internacional contra os regimes.

Impacto nas Colônias e Consequências Internacionais
O livro também aborda o impacto do Exercício Alcora nas colônias africanas sob controle português, bem como na Rodésia e na África do Sul. Brandão argumenta que, embora a aliança tenha permitido a continuação das guerras coloniais por mais alguns anos, ela não foi capaz de mudar o curso inevitável dos eventos. O desgaste militar, econômico e moral dos regimes coloniais foi exacerbado pela crescente resistência interna e pela pressão da comunidade internacional.

Além disso, o autor explora as repercussões diplomáticas do Exercício Alcora, incluindo a reação das potências ocidentais e do bloco soviético. A aliança foi vista como uma tentativa desesperada de manter o colonialismo e a supremacia branca em uma era em que a descolonização e o fim da segregação racial estavam se tornando tendências irreversíveis. As revelações sobre o Alcora, quando vieram à tona, contribuíram para o isolamento internacional desses regimes e aceleraram o seu colapso.

Análise Crítica
Vicente de Paiva Brandão realiza um trabalho notável ao trazer à luz os detalhes do Exercício Alcora, uma aliança que, até recentemente, permaneceu obscura para a maioria dos historiadores. Sua pesquisa meticulosa e a análise crítica dos eventos proporcionam uma compreensão profunda das dinâmicas que moldaram a política colonial portuguesa e a história da África Austral no século XX.

O autor não apenas documenta os eventos históricos, mas também oferece uma análise das motivações e dilemas enfrentados pelos líderes envolvidos na aliança. Brandão questiona a ética e a viabilidade das estratégias adotadas pelos regimes coloniais e explora as consequências de longo prazo dessas ações. A obra é especialmente valiosa para aqueles interessados em entender como decisões políticas e militares influenciam o curso da história, muitas vezes com consequências imprevistas e duradouras.

No entanto, o livro pode ser desafiador para leitores sem um conhecimento prévio do contexto histórico ou dos aspectos militares. A riqueza de detalhes e a terminologia técnica utilizada podem tornar a leitura densa em alguns pontos.

Apesar disso, a narrativa é bem estruturada e o autor consegue manter o interesse do leitor ao combinar fatos históricos com análise crítica e reflexões sobre as implicações dos eventos descritos.

Conclusão
“Alcora” de Vicente de Paiva Brandão é uma obra essencial para quem deseja entender as últimas tentativas do regime português de manter seu império colonial na África em um momento de rápidas transformações globais. Através de uma investigação rigorosa e uma narrativa envolvente, Brandão nos oferece uma janela para um mundo de intrigas políticas, operações militares secretas e alianças improváveis.

O livro não apenas enriquece a compreensão histórica sobre o fim do colonialismo em África, mas também levanta questões pertinentes sobre a natureza do poder, da resistência e da colaboração entre regimes autoritários. É uma leitura indispensável para historiadores, acadêmicos e qualquer pessoa interessada nos complexos processos que levaram ao desmantelamento do último império colonial europeu em África.

Em suma, “Alcora” é um testemunho poderoso das lutas e compromissos dos últimos dias do colonialismo, oferecendo uma perspetiva rica e informada sobre um período crucial da história moderna.