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Relatório do Livro: “Contra-Insurreição em África - O Modo Português de Fazer a Guerra (1961-1974)”

Tipo de Projeto

Relatório do Livro

Data

9/2024

Localização

Idaho, USA

Relatório do Livro: “Contra-Insurreição em África - O Modo Português de Fazer a Guerra (1961-1974)” de John P. Cann
Visão Geral:

Contra-Insurreição em África - O Modo Português de Fazer a Guerra (1961-1974), escrito por John P. Cann e publicado em 1998 pela editora Atena, é uma obra essencial que examina detalhadamente as estratégias militares e políticas adotadas por Portugal durante as suas guerras coloniais na África.
Estas guerras, ocorridas principalmente em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, foram parte de um esforço maior do Estado português para manter o controle sobre suas colônias em um momento em que os ventos da descolonização estavam soprando forte em toda a África e outros continentes colonizados.

Cann, um historiador militar respeitado e ex-piloto da Marinha dos Estados Unidos, utiliza sua vasta experiência e acesso a uma ampla gama de fontes primárias para compilar um estudo abrangente das operações de contra-insurreição. O autor, com profundo conhecimento das operações militares e sensibilidade para o contexto político, oferece uma análise perspicaz sobre como Portugal desenvolveu e implementou suas estratégias para enfrentar as insurgências que ameaçavam o domínio colonial.

Resumo do Conteúdo:
O livro está estruturado em várias seções que exploram diferentes aspetos da abordagem portuguesa à guerra de contra-insurgência. Cada seção está repleta de detalhes minuciosos e análises que revelam a complexidade das decisões e operações militares portuguesas.

1. Contexto Histórico:
Cann começa fornecendo um contexto histórico e político que explica o surgimento das guerras coloniais. Ele detalha como, após a Segunda Guerra Mundial, houve uma crescente pressão internacional para que as potências coloniais concedessem a independência a suas colônias. No entanto, Portugal, sob a ditadura de Salazar e mais tarde de Marcello Caetano, resistiu a essas pressões, considerando suas colônias como parte integrante do território nacional. Esta visão estava enraizada na ideologia do Estado Novo, que via o império como essencial para a identidade e prosperidade de Portugal.

Cann explora como os movimentos de independência em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau começaram a ganhar força na década de 1950, muitas vezes com apoio de potências estrangeiras, como a União Soviética, China, e alguns países africanos já independentes. O livro também aborda as condições sociais e econômicas que alimentaram o descontentamento nas colônias, criando um terreno fértil para a insurgência.

2. Doutrina Militar Portuguesa:
O coração do livro reside na análise da doutrina militar portuguesa, descrita por Cann como o “modo português de fazer a guerra”. A obra descreve como, diante de uma guerra de guerrilha, as Forças Armadas Portuguesas tiveram que se adaptar a um tipo de conflito para o qual inicialmente não estavam preparadas. A guerra convencional, baseada em batalhas abertas e frentes claras, deu lugar a uma guerra irregular, onde o inimigo era muitas vezes invisível e se misturava com a população civil.

Cann destaca a importância das forças especiais, como os Comandos e os Flechas (unidades de elite compostas por africanos treinados pelos portugueses), que foram fundamentais na execução de operações de contra-insurgência. Além disso, ele discute o uso extensivo de operações psicológicas e programas de ação cívica, cujo objetivo era conquistar o apoio da população local, ou pelo menos, neutralizar o apoio às forças insurgentes. Estes programas incluíam iniciativas de desenvolvimento econômico, educação, e saúde, que visavam melhorar as condições de vida nas áreas de conflito e, assim, reduzir a base de apoio dos insurgentes.

3. Estudos de Caso:
Os estudos de caso apresentados por Cann são particularmente valiosos, pois fornecem uma visão detalhada das campanhas militares em diferentes regiões. Por exemplo, em Angola, ele examina a Operação Nó Górdio, uma grande campanha militar destinada a quebrar as forças da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em Moçambique, Cann analisa a luta contra a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), destacando as dificuldades enfrentadas pelo exército português em um terreno difícil e com apoio limitado. Na Guiné-Bissau, talvez o mais difícil dos teatros de operações, Cann discute as estratégias de contenção e as dificuldades impostas pelas operações transfronteiriças dos insurgentes.

Cada estudo de caso revela não apenas as táticas militares, mas também a complexa interação entre militares, política e sociedade. Cann explora como a guerra foi não apenas uma série de batalhas, mas também uma luta pelo controle da narrativa, onde ganhar o apoio da população era tão crucial quanto vencer no campo de batalha.

4. Análise Comparativa:
Para colocar as estratégias portuguesas em perspetiva, Cann realiza uma análise comparativa com outras campanhas de contra-insurgência, como a dos franceses na Argélia e dos britânicos na Malásia. Ele aponta as semelhanças e diferenças nas abordagens, destacando como cada potência colonial adaptou suas táticas às condições locais e aos tipos de inimigo enfrentados. Essa comparação é útil para entender por que algumas táticas funcionaram em certos contextos, mas não em outros.

Cann observa que, embora os portugueses tivessem menos recursos em comparação com outras potências coloniais, eles conseguiram prolongar a guerra por mais de uma década, o que é um testemunho da adaptabilidade e da determinação das forças armadas portuguesas. No entanto, ele também reconhece que essa adaptação veio a um custo alto, tanto em termos de vidas perdidas quanto em termos de impacto político e social, tanto em Portugal quanto nas colônias.

5. Consequências e Legado:
Na última seção do livro, Cann analisa as consequências das guerras coloniais para Portugal e suas ex-colônias. Ele discute o impacto da guerra no próprio Portugal, incluindo o custo econômico, a mudança política que culminou na Revolução dos Cravos em 1974, e o processo de descolonização que se seguiu.

Para as ex-colônias, Cann aborda os desafios enfrentados após a independência, como a instabilidade política, a guerra civil e os problemas econômicos, muitos dos quais foram exacerbados pelo legado da guerra de contra-insurgência. Cann reflete sobre como as estratégias de contra-insurgência portuguesas, embora eficazes a curto prazo, muitas vezes deixaram feridas profundas que influenciaram negativamente o desenvolvimento pós-independência desses países.

Análise Crítica:
A obra de John P. Cann é exemplar tanto em seu rigor acadêmico quanto em sua abordagem equilibrada. Ele evita simplificações excessivas, reconhecendo as complexidades envolvidas na guerra de contra-insurgência. Ao mesmo tempo, Cann não hesita em questionar a moralidade de certas práticas militares e em refletir sobre as consequências a longo prazo dessas ações.

Um dos aspetos mais impressionantes do livro é a sua capacidade de integrar análises militares detalhadas com um entendimento profundo dos contextos políticos e sociais mais amplos. Cann mostra como as decisões militares não podem ser entendidas isoladamente, mas devem ser vistas como parte de uma estratégia política mais ampla, que visa não apenas derrotar o inimigo militarmente, mas também ganhar a legitimidade aos olhos da população.

Contudo, apesar de sua abordagem abrangente, o livro poderia ter se beneficiado de uma maior inclusão das perspetivas dos insurgentes africanos. Embora Cann se concentre principalmente na perspetiva portuguesa, uma exploração mais aprofundada das motivações, estratégias e visões dos movimentos de libertação teria proporcionado uma visão ainda mais equilibrada do conflito. Além disso, o uso de uma linguagem técnica e densa pode ser um desafio para leitores sem uma formação em história militar ou estratégia, o que pode limitar o público-alvo do livro.

Conclusão:
O livro Contra-Insurreição em África - O Modo Português de Fazer a Guerra (1961-1974) de John P. Cann é uma contribuição inestimável para o estudo das guerras coloniais portuguesas e das estratégias de contra-insurgência em geral. Através de uma análise minuciosa e detalhada, Cann não só documenta as operações militares, mas também proporciona uma compreensão profunda das complexas interações entre a guerra, a política e a sociedade. O seu trabalho revela como o pequeno e relativamente isolado Estado português conseguiu manter um império colonial por tanto tempo em um mundo cada vez mais hostil à colonização.

A principal lição que emerge da obra de Cann é a resiliência e a adaptabilidade das forças armadas portuguesas diante de desafios imensos. Apesar de recursos limitados e do isolamento diplomático, Portugal conseguiu sustentar um esforço de guerra prolongado, implementando uma abordagem de contra-insurgência que, em muitos aspectos, foi inovadora e eficaz a curto prazo. No entanto, Cann também deixa claro que essas vitórias táticas vieram a um custo elevado e que, no final, as guerras coloniais contribuíram para a queda do regime do Estado Novo e o início de uma nova era tanto em Portugal quanto em suas ex-colônias.

A obra é um exemplo notável de como o estudo da história militar pode oferecer lições valiosas para o presente, particularmente em um mundo onde conflitos assimétricos continuam a ser uma característica dominante das guerras contemporâneas. Cann nos lembra que a guerra é tanto uma questão de estratégia militar quanto de política, e que as decisões tomadas em tempos de conflito podem ter consequências que se estendem muito além do campo de batalha.

Em última análise, Contra-Insurreição em África não é apenas um relato detalhado das guerras coloniais portuguesas, mas também uma reflexão sobre a natureza da guerra, do poder e da resistência. Para estudiosos, militares, e qualquer pessoa interessada na história de Portugal e de África, o livro de John P. Cann é uma leitura essencial que oferece um entendimento profundo dos desafios e dilemas enfrentados por Portugal durante um dos períodos mais tumultuados de sua história.

Este livro, portanto, se destaca como uma referência indispensável para quem busca compreender não apenas a história das guerras coloniais portuguesas, mas também as complexidades inerentes à guerra de contra-insurgência em qualquer contexto global.

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