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A Dança Eterna de Kainda: Histórias do Namibe

14 de dez de 2024

4 min de leitura

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No vasto deserto do Namibe, onde o vento assobia histórias esquecidas e as dunas dançam ao ritmo do tempo, vivia Kainda, uma jovem mulher Himba. Desde criança, ela fora fascinada pelo deserto — não apenas pelas areias douradas que pareciam se estender infinitamente, mas também pelos segredos que ele guardava. Para ela, o deserto não era vazio; era vivo, pulsante, repleto de sussurros dos seus antepassados.


Kainda era conhecida em sua aldeia por sua dança. Não era uma dança comum, mas algo mágico, como se o próprio deserto a guiasse. Desde que sua mãe lhe ensinara os primeiros passos ao redor da fogueira, Kainda sentira que seus movimentos transcendiam o presente. Ao dançar, ela sentia-se conectada a gerações passadas, ao espírito dos Himba que haviam habitado aquelas terras muito antes dela.


Uma tarde, quando o sol estava prestes a beijar o horizonte, Kainda decidiu explorar além das fronteiras conhecidas de sua aldeia. Carregava consigo apenas uma cabaça com água e a coragem que o deserto parecia sussurrar em seus ouvidos. Seus pés descalços afundavam suavemente na areia quente, cada passo marcando o começo de uma jornada tanto física quanto espiritual.


Ela caminhou até encontrar uma duna alta, que parecia chamar por ela. Ao alcançar o topo, o vento soprou com mais força, levantando grãos de areia que reluziam como pequenos diamantes sob a luz dourada. Ali, no silêncio imponente do Namibe, Kainda começou a dançar.


Seus movimentos eram leves, como o voo de uma ave, e firmes, como as raízes profundas das poucas árvores que sobreviviam naquele ambiente árido. O vento tornou-se seu parceiro, levantando seus trajes tradicionais e fazendo-os flutuar no ar. As contas de seu colar tilintavam em harmonia com o ritmo da dança, e o otjize em sua pele refletia os últimos raios de sol, dando-lhe a aparência de uma deusa ancestral.


Enquanto dançava, Kainda sentiu algo mudar ao seu redor. O deserto parecia responder. O vento tornou-se uma melodia, o calor da areia sob seus pés transformou-se em um pulsar quase humano, e as sombras das dunas formavam figuras que acompanhavam seus movimentos. De repente, o chão sob ela parecia vibrar, como se o próprio Namibe estivesse respirando.


Então, em um momento de pura transcendência, Kainda teve uma visão. Diante dela, surgiu uma figura feita de luz e areia — a representação de uma anciã Himba. Os traços eram familiares, como se fossem os de sua própria mãe, mas também carregavam a sabedoria de alguém que havia vivido por séculos.


“Kainda,” a figura disse, com uma voz que ecoava como o vento nas cavernas. “Você dançou para o deserto, e ele lhe responde. Você carrega o espírito do nosso povo, a ligação entre o passado e o futuro. Escute bem: nossa terra, tão bela e rica, é também frágil. Cuide dela. Ensine os outros a respeitar o que somos, e o deserto sempre cuidará de você.”


As palavras da figura desapareceram no vento, mas ficaram gravadas no coração de Kainda. Quando ela parou de dançar, o sol já havia se escondido completamente, e o céu era um manto de estrelas brilhantes. A sensação de conexão profunda com o universo a envolveu como um abraço, e ela compreendeu que sua dança era mais do que um ato de expressão; era um elo entre o sagrado e o terreno, entre o ontem e o amanhã.


De volta à aldeia, Kainda compartilhou sua experiência com os mais velhos. Muitos ouviram com respeito, enquanto outros olharam-na com um misto de ceticismo e admiração. Contudo, ela não se abalou. Sabia que sua missão estava apenas começando. Em suas danças futuras, passou a incorporar os ensinamentos da visão, criando movimentos que narravam a importância de preservar o equilíbrio entre o homem e a natureza.


Suas apresentações passaram a atrair pessoas de longe, até mesmo de cidades distantes. Turistas e estudiosos vinham não apenas para assistir, mas também para aprender com ela e com seu povo. Kainda tornou-se uma embaixadora do deserto, usando sua dança para educar e inspirar respeito por aquela paisagem aparentemente árida, mas repleta de vida e história.


Em uma tarde, muitos anos depois, Kainda subiu novamente à mesma duna. Agora mais velha, com rugas que contavam suas próprias histórias, ela dançou sob o mesmo pôr do sol dourado. Desta vez, ela não estava sozinha. Atrás dela, crianças da aldeia, incluindo seus próprios netos, imitavam seus passos. O deserto, como antes, parecia vivo, respondendo àquela celebração de gerações unidas pelo respeito e pelo amor à terra.


O Namibe, eterno e imponente, continuava sendo o guardião silencioso das histórias de seu povo. E Kainda, com cada movimento, assegurava que essas histórias nunca seriam esquecidas.


Soneto Final


No ventre eterno, onde o deserto canta,

Kainda dança ao som do vento brando,

Os passos firmes, ecos libertando,

De gerações cuja memória encanta.


A areia quente, em ouro que se espanta,

Reflete o céu, seu fogo se espalhando,

E o tempo, sábio, ao longe contemplando,

A eternidade em sombras se adianta.


Dos ancestrais escuta a voz que insiste,

Protege a terra, seu valor persiste,

Pois dela nasce a vida que é seu lar.


Assim o ciclo em dança vai seguindo,

O sol se põe, mas nunca está partindo,

E o Namibe eterno a história irá guardar.


















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