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A Loja do Meu Pai: Memórias de uma Infância Interrompida

há 7 horas

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Introdução: O Início de Tudo

Minha história começa em Santa Comba, Angola, numa época em que o vento quente soprava sobre as ruas de terra batida e o som dos passos se misturava com as conversas suaves dos vizinhos que passavam pelo centro da cidade. Era uma Angola onde o tempo parecia mover-se de maneira diferente, com um ritmo quase natural, ditado pela luz do sol, pelas colheitas e pelas rotinas diárias da comunidade.


Santa Comba era uma cidade pequena, mas cheia de vida, onde todos se conheciam e o espírito de camaradagem permeava cada esquina. As pessoas viviam simples, mas com alegria. As crianças brincavam descalças pelas ruas de terra, correndo atrás umas das outras e sonhando com o futuro. Eu era uma dessas crianças. Naquela época, tudo parecia ser uma grande aventura, e a loja do meu pai, João de Deus Chaves, era o epicentro da nossa vida.


A loja não era apenas um negócio; ela representava o coração de Santa Comba. Era onde os vizinhos se reuniam para partilhar histórias e buscar os bens que precisavam para suas casas e vidas diárias. Aquele espaço, com suas prateleiras cheias de produtos, suas bicicletas penduradas e seus tecidos vibrantes, era muito mais do que um ponto de venda — era o ponto de encontro da comunidade.


Eu era apenas uma criança de 8 anos em 1967, mas já sabia que a loja era especial. Comecei a trabalhar ao lado do meu pai cedo, observando-o a atender os clientes com uma gentileza que me ensinou lições sobre responsabilidade, respeito e a importância de cuidar dos outros. A cada dia, eu aprendia algo novo — sobre comércio, sobre pessoas e sobre a vida. À medida que crescia, a loja passou a fazer parte integrante da minha infância e da nossa vida familiar.


O meu pai era um homem sábio, com uma calma que transmitia segurança a todos ao seu redor. Ele conhecia cada cliente pelo nome e tratava todos com a mesma cortesia e respeito. Ele sabia que a loja não era apenas um lugar de negócios, mas um ponto de ligação. Ele dizia-me frequentemente: "Tratar bem as pessoas é o que torna uma loja um sucesso, mais do que qualquer produto que vendamos."


A Lembrança das Manhãs na Loja

As manhãs na loja eram momentos de pura magia para mim. Lembro-me de acordar com os primeiros raios de sol que entravam pelas janelas da nossa casa, que estava ligada à loja. A minha mãe já estaria a preparar o café, e o cheiro espalhava-se por toda a casa, misturando-se com a brisa fresca que entrava pelas janelas abertas. Ao pequeno-almoço, sentávamos juntos, mas sabíamos que o trabalho nos chamava.


Assim que o sol subia no céu, a loja já estava cheia de vida. Eu corria para o balcão ao lado do meu pai, ansioso para ajudá-lo a servir os primeiros clientes do dia. Ainda me lembro do barulho suave das portas a abrir, o tilintar da campainha, e a entrada dos nossos primeiros vizinhos, sempre com um sorriso no rosto. Cada dia trazia algo novo, mas também trazia uma sensação de constância e familiaridade. Aquele era o nosso mundo, e eu estava orgulhoso de fazer parte dele.


Santa Comba, naquele tempo, parecia imune ao mundo exterior. A guerra ainda era um eco distante, uma preocupação que ainda não havia atingido as nossas portas. A nossa vida era tranquila, e eu via a loja do meu pai como um lugar seguro e acolhedor, onde o futuro ainda era um horizonte distante.


A Conexão com a Comunidade

A loja também foi onde aprendi sobre a força da comunidade. As pessoas que entravam e saíam eram mais do que clientes; eram vizinhos, amigos e, em muitos casos, parte da nossa família estendida. Lembro-me de como os adultos conversavam longamente sobre as colheitas, os tempos de seca, e sobre os filhos que cresciam e se mudavam para outras cidades. Eles confiavam no meu pai não apenas para comprar mercadorias, mas para partilhar os desafios e as alegrias das suas vidas.


Algumas das minhas primeiras memórias de serviço à comunidade vêm desses dias na loja. Eu podia ser pequeno, mas meu pai fez questão de me envolver em tudo. "Ajuda sempre com um sorriso," ele dizia. Eu carregava sacos de arroz, ajudava a empilhar latas, e, em troca, recebia histórias, conselhos e sorrisos sinceros dos vizinhos que me viram crescer. Foi nesse ambiente que desenvolvi um senso de responsabilidade e gratidão, sabendo que cada pequena tarefa, por mais simples que fosse, contribuía para o bem-estar da nossa cidade.


A Primeira Semente de Sonhos

Foi também ali que comecei a sonhar. Sonhos simples, de pedalar livremente pelas ruas com uma das bicicletas penduradas no teto da loja, e sonhos mais amplos, de crescer, aprender mais e explorar o mundo além de Santa Comba. O mundo parecia ao mesmo tempo vasto e acessível, e a loja era o meu ponto de partida para todos esses devaneios. Cada cliente que entrava trazia histórias de outras cidades, outras vidas, e, para mim, aquilo acendia uma chama de curiosidade.


A loja era, sem dúvida, o meu porto seguro, mas também era o lugar onde os meus sonhos começavam a tomar forma. Embora fosse jovem, já sentia o desejo de explorar e de conhecer mais sobre o mundo além das ruas de terra batida da nossa cidade. No entanto, ao mesmo tempo, havia uma parte de mim que sabia que, não importa para onde eu fosse, a loja do meu pai, o trabalho árduo e a comunidade que construímos ali sempre seriam parte de quem eu me tornaria.


A Vida na Loja: Entre Produtos e Tecidos

A loja do meu pai, em Santa Comba, era um espaço vivo e dinâmico, dividido em duas áreas distintas que refletiam tanto a diversidade das necessidades dos nossos clientes quanto a riqueza cultural da nossa comunidade. De um lado, encontravam-se prateleiras cheias de produtos essenciais para o dia a dia: enlatados, sabão, brinquedos, utensílios e até bicicletas penduradas. Do outro, o espaço dedicado aos tecidos, uma verdadeira paleta de cores e padrões africanos, onde a criatividade das nossas clientes ganhava vida. Cada parte da loja tinha seu papel e sua importância, e eu, mesmo ainda jovem, percebia como ambos os lados funcionavam em perfeita harmonia.


O Lado dos Produtos Essenciais

As prateleiras repletas de produtos essenciais eram um reflexo das necessidades práticas da nossa comunidade. Enlatados de alimentos, pacotes de arroz, açúcar e farinha empilhavam-se ordenadamente, prontos para serem levados para as cozinhas das casas de Santa Comba. O cheiro do sabão misturava-se com o leve aroma das especiarias que tínhamos à venda, criando uma atmosfera que, para mim, era familiar e reconfortante. O som das latas tilintando quando as clientes pegavam seus produtos, o deslizar do papel de embrulho, e as conversas baixas entre vizinhos enquanto esperavam para serem atendidos faziam parte do ritmo diário da loja.


Eu adorava ajudar a empilhar e organizar esses produtos. Cada item tinha seu lugar, e o meu pai insistia na importância de manter tudo impecavelmente arrumado. Ele acreditava que uma loja bem organizada refletia respeito pelos clientes, e isso era algo que se tornava visível à medida que os vizinhos entravam e faziam suas compras com confiança e satisfação. Havia algo de profundamente gratificante em servir as pessoas, em garantir que tivessem o que precisavam para o seu dia a dia.


E depois, havia as bicicletas. Penduradas no teto, eram objetos de fascínio, especialmente para mim. Eu ficava a observar enquanto os adultos as compravam, sonhando com o dia em que eu também poderia ter uma bicicleta só minha. Havia algo de mágico em vê-las descerem das vigas da loja, prontas para novas aventuras. As bicicletas simbolizavam liberdade e diversão, e para as famílias que as levavam para casa, significavam também progresso e mobilidade — uma forma de explorar mais do que as fronteiras da pequena cidade.


O Lado da Magia dos Tecidos

Se o lado dos mantimentos era funcional e essencial, o lado dos tecidos era onde a verdadeira magia acontecia. Minha mãe, sempre com um olhar apurado para a beleza e a estética, dedicava-se a organizar os rolos de tecido com extremo cuidado. As prateleiras eram repletas de cores vibrantes e padrões intricados que pareciam contar histórias por si mesmos. Havia tecidos com padrões geométricos, florais, animais e símbolos tradicionais africanos, e cada peça parecia irradiar uma energia única.


As mulheres da comunidade entravam na loja, muitas vezes em pequenos grupos, com um brilho nos olhos. Para elas, os tecidos não eram apenas pedaços de pano; eram uma forma de expressão, uma extensão da sua identidade. Ao contrário dos produtos essenciais, que eram necessários para o dia a dia, os tecidos representavam sonhos, criatividade e a chance de criar algo novo. Eu observava, fascinado, enquanto elas deslizavam os dedos pelos diferentes materiais, ponderando sobre qual tecido melhor capturava a essência do que queriam expressar. Muitas vezes, vinham com ideias claras sobre como o tecido seria usado — para um vestido, uma capulana, ou uma peça especial para uma ocasião importante.


Eu, ainda jovem, não entendia completamente a complexidade dessas escolhas, mas percebia o brilho nos olhos das mulheres quando encontravam exatamente o que procuravam. Aquela era a magia dos tecidos — eles eram capazes de transformar simples pedaços de pano em algo muito maior. Cada corte de tecido que saía da loja era o início de uma nova história, de uma nova criação que se revelaria nas ruas, nas festas, ou nas cerimônias da comunidade.


As Histórias Por Trás dos Tecidos

Cada tecido, com seus padrões vibrantes, parecia contar uma história própria. Muitos dos tecidos africanos que vendíamos na loja eram trazidos de outras regiões, e cada padrão carregava consigo simbolismos culturais e tradicionais. As mulheres que compravam esses tecidos sabiam disso, e muitas vezes escolhiam padrões que tinham um significado especial para elas e suas famílias. Os padrões florais, por exemplo, eram frequentemente escolhidos para roupas de celebração, enquanto os desenhos geométricos mais sóbrios eram usados em ocasiões formais.


Lembro-me de como as mulheres conversavam entre si, discutindo os méritos de um tecido em comparação com outro, trocando conselhos sobre qual padrão seria mais adequado para uma certa ocasião. Era um verdadeiro ritual de partilha e decisão. Para mim, aquilo tudo era uma forma de arte. Eu não conseguia entender completamente o que estava em jogo, mas sabia que os tecidos que vendíamos eram mais do que mercadorias — eram uma extensão da vida, da cultura e da tradição da nossa comunidade.


A Alegria de Ver as Criações Tomarem Forma

Ver as mulheres saírem da loja com seus tecidos cuidadosamente escolhidos era um dos meus momentos favoritos. Sabia que, em breve, aqueles pedaços de pano seriam transformados em algo belo e único. Muitas vezes, eu via as mesmas mulheres semanas depois, desfilando pela rua com vestidos ou capulanas feitos a partir dos tecidos que haviam comprado na nossa loja. Ver o produto final era uma experiência gratificante. Eu ficava orgulhoso de saber que, de certa forma, nossa loja fazia parte das suas vidas e das suas expressões pessoais.


Era como se, por meio da venda daqueles tecidos, estivéssemos a contribuir para algo muito maior do que nós mesmos. Eu via o brilho no olhar delas, a satisfação ao sair com os rolos de tecido, e entendia, mesmo sem palavras, que aqueles momentos representavam muito mais do que uma simples compra. Era uma partilha de cultura, identidade e criatividade.


O Impacto da Loja na Comunidade

A loja do meu pai, com seus dois lados tão diferentes, mas complementares, era um reflexo da vida em Santa Comba. De um lado, os mantimentos essenciais para a sobrevivência cotidiana; do outro, a riqueza cultural e a expressão pessoal através dos tecidos. A loja era um microcosmo da nossa comunidade, onde a praticidade e a arte se encontravam.


Para mim, a dualidade entre os produtos essenciais e os tecidos era fascinante. Ambos os lados eram necessários, cada um cumprindo uma função vital na vida das pessoas. Aprendi que o comércio não era apenas sobre o ato de vender, mas sobre proporcionar algo que fosse significativo para a vida das pessoas, seja um alimento para o corpo ou um tecido para a alma.


O Papel da Família: Mãe, Pai e Montras

Trabalhar ao lado da minha mãe era, sem dúvida, uma das minhas maiores alegrias. Desde pequeno, eu via nela uma mulher forte e habilidosa, que conseguia transformar simples rotinas de trabalho em momentos de grande significado. A loja do meu pai era muito mais do que um negócio para nós; era um espaço onde a nossa família se unia em torno de um propósito comum, e foi ali, ao lado da minha mãe, que comecei a aprender sobre o valor do esforço e da dedicação.


A Cumplicidade com a Minha Mãe

Os dias em que passávamos juntos a organizar as montras da loja eram momentos de cumplicidade e aprendizado que ficaram gravados para sempre na minha memória. As montras, mais do que simples vitrinas de produtos, eram a primeira impressão que os clientes tinham da loja. A minha mãe sabia disso e tinha um talento inato para criar exibições atraentes e convidativas que chamavam a atenção de quem passava pela rua.


Lembro-me claramente de como ela cuidava de cada detalhe, desde a escolha das cores até a disposição dos produtos. Nada era deixado ao acaso. Cada lata de conservas, cada pacote de sabão, cada pedaço de tecido era colocado com precisão, de modo a destacar os produtos da melhor forma possível. Era como montar um quebra-cabeça, onde cada peça tinha que se encaixar perfeitamente para formar uma imagem harmoniosa.


Eu, com as minhas mãos pequenas, ajudava-a nessa tarefa. Ela pedia-me que trouxesse certos produtos, ou que arrumasse as prateleiras inferiores, e enquanto fazíamos isso, ela explicava-me a importância de apresentar os produtos de forma ordenada e atraente. Eu ainda não compreendia totalmente o impacto daquilo, mas sabia que havia uma razão para cada escolha que fazíamos. A minha mãe, com a sua paciência e carinho, ensinava-me que, no comércio, cada detalhe conta, e que uma montra bem organizada podia fazer toda a diferença entre um cliente entrar na loja ou seguir adiante.


A Escolha dos Tecidos e a Criatividade

Um dos momentos mais especiais desses dias de trabalho ao lado da minha mãe era quando chegava a hora de escolher os tecidos que seriam exibidos na montra. Sabíamos que os tecidos africanos eram um dos atrativos principais da loja, e a minha mãe tinha um olho apurado para identificar quais cores e padrões iriam chamar mais atenção. Ela gostava de brincar com as combinações, misturando padrões vibrantes com tons mais neutros, de forma a criar um contraste visual que destacava a riqueza dos materiais.


Eu ajudava-a a desenrolar os rolos de tecido e, juntos, escolhemos quais seriam os protagonistas da montra naquela semana. Lembro-me de como os meus olhos brilhavam ao ver os tecidos estendidos, revelando suas cores e texturas. A minha mãe sempre me envolvia nas decisões, perguntando-me qual eu achava que combinava mais com determinado produto ou qual cor se destacaria melhor sob a luz do sol que entrava pela janela da loja.


Aqueles momentos ensinaram-me que até os detalhes mais simples, como a escolha de uma cor, tinham um impacto significativo no sucesso da loja. Mais tarde, compreendi que a minha mãe estava a ensinar-me não apenas sobre estética, mas sobre o poder de entender as pessoas. Ela sabia que as mulheres que entravam na loja em busca de tecidos estavam à procura de algo mais do que simples vestuário. Elas queriam algo que refletisse sua personalidade, sua cultura, sua identidade. E era o nosso trabalho, através das montras, oferecer essa conexão.


Meu Pai: O Pilar da Loja

Enquanto a minha mãe tinha um talento inato para a organização das montras e a escolha dos tecidos, o meu pai, João de Deus Chaves, era o pilar da loja, o coração que mantinha tudo funcionando. Ele era o responsável pelas decisões mais práticas e pelos relacionamentos com os clientes. Conhecia cada cliente pelo nome, sabia o que cada família precisava, e sempre tratava todos com respeito e atenção.


Eu admirava a forma como o meu pai conseguia criar uma atmosfera de confiança e amizade dentro da loja. Ele tinha o dom de conversar com as pessoas, e mesmo nos dias mais corridos, nunca deixava de dedicar alguns minutos a ouvir as preocupações ou as histórias de cada cliente. A loja não era apenas um espaço comercial para ele; era um lugar onde ele cultivava relações que iam além da simples transação de bens. Ele costumava dizer: “Uma loja é tão forte quanto a confiança que se constrói com as pessoas.”


O meu pai também era um grande apoiador das ideias da minha mãe. Ele sabia que o trabalho dela na organização das montras era essencial para atrair novos clientes e mantê-los fiéis à loja. Embora ele fosse mais reservado e prático, confiava plenamente no julgamento da minha mãe quando se tratava de apresentação e estética. Juntos, formavam uma equipe imbatível — ele, com a sua visão de negócios e relacionamentos, e ela, com o seu senso de estética e organização.


As Lições da Infância: Cuidar dos Detalhes

Esses momentos ao lado dos meus pais, trabalhando na loja, foram fundamentais para o meu crescimento. Eu aprendi, desde cedo, que o sucesso de qualquer empreendimento depende da atenção aos detalhes. Vi como a minha mãe cuidava de cada pedaço de tecido, de cada produto nas prateleiras, e como o meu pai valorizava cada cliente que entrava na loja. A loja não era apenas um lugar onde vendíamos produtos; era um espaço onde construíamos relações, onde fazíamos parte da vida das pessoas.


Essas lições ficaram comigo ao longo da vida. Trabalhar ao lado da minha mãe, ajudando a organizar as montras e aprender com o meu pai sobre a importância das relações humanas, ensinou-me muito mais do que o comércio. Ensinou-me que, em tudo o que fazemos, desde os pequenos gestos até as grandes decisões, há um impacto na vida dos outros. E que, muitas vezes, são as pequenas ações, aquelas que parecem insignificantes, que mais importam.


O Impacto Duradouro

Aquelas montras eram o reflexo da nossa família e do trabalho em equipe. Cada tecido, cada produto cuidadosamente arranjado, representava o esforço coletivo dos meus pais, e o carinho que tinham pelo que faziam. Olhando para trás, vejo que trabalhar ao lado deles não apenas me deu uma forte ética de trabalho, mas também uma compreensão profunda do valor de cuidar dos outros. A arte do comércio, como aprendi naqueles dias na loja, era uma arte de serviço — de estar presente, de prestar atenção e de garantir que cada cliente se sentisse importante e respeitado.


O trabalho com as montras foi a minha primeira introdução à responsabilidade e à beleza de cuidar dos detalhes. E, por mais que fossem pequenas tarefas naquela época, eu sabia, no fundo, que estávamos a fazer algo maior — a criar um espaço que unia pessoas, uma loja que era mais do que um simples lugar de comércio. Era um lugar de encontro, de comunidade, de família.


As Aventuras de Infância: Bicicletas e Sonhos

Para mim, cada bicicleta pendurada no teto da loja do meu pai não era apenas mais um item à venda; era uma promessa de aventura, um convite para explorar o mundo além das prateleiras cheias de produtos e tecidos. Olhando para cima, aquelas bicicletas representavam uma liberdade que só uma criança pode entender. Enquanto para os adultos eram um meio de transporte prático, para mim eram o portal para um mundo imaginário, onde as estradas de terra batida de Santa Comba se transformavam em vastas paisagens de exploração.


Lembro-me claramente de ficar horas a olhar para as bicicletas, sonhando acordado sobre como seria descer pelas colinas em alta velocidade ou atravessar os campos ao redor da cidade, sentindo o vento no rosto. No fundo, aquelas bicicletas significavam independência, uma fuga da rotina de trabalho que, embora eu gostasse, ainda era o que me prendia à loja. Para mim, elas eram o símbolo de algo maior — a capacidade de ir além dos limites da loja e da cidade, pelo menos nos meus pensamentos.


A Primeira Bicicleta: A Tentativa às Escondidas

Foi numa dessas tardes, quando o movimento na loja diminuía, que decidi que estava na hora de experimentar uma bicicleta. Eu sabia que era algo que precisava fazer às escondidas, pois as bicicletas eram bens valiosos e destinadas à venda, não para as aventuras de uma criança curiosa como eu. Ainda assim, a tentação era forte demais para resistir. Esperei o momento certo, quando o meu pai estava ocupado atendendo um cliente, e com cuidado tirei uma das bicicletas do suporte.


Eu não tinha muita prática em andar de bicicleta, mas isso não me impediu de tentar. Senti a excitação crescer à medida que subia no selim, as minhas pernas pequenas tentando alcançar os pedais. A sensação de estar sobre a bicicleta pela primeira vez era indescritível — uma mistura de nervosismo e antecipação. Empurrei-me para a frente e comecei a pedalar, ainda instável, mas determinado a aprender.


Não demorou muito para a primeira queda, é claro. Lembro-me de como a roda derrapou na poeira fina da estrada e eu caí de lado, rindo de mim mesmo enquanto me levantava, sem uma gota de frustração. A alegria de tentar, de me arriscar e de descobrir essa nova habilidade, superava qualquer dor temporária. Cada nova tentativa trazia mais risadas e mais confiança. As quedas faziam parte da diversão, e em vez de me desencorajarem, incentivavam-me a tentar mais uma vez.




A Liberdade Sobre Duas Rodas

Finalmente, após várias tentativas e erros, consegui pedalar por uma curta distância sem cair. A sensação de pedalar sem apoio foi de pura euforia. Senti como se, naquele momento, o mundo todo estivesse ao meu alcance. Eu podia ir a qualquer lugar — as estradas de terra de Santa Comba, com suas casas espalhadas e o cheiro da vegetação ao redor, tornavam-se o meu campo de aventuras.


Cada pedalada me dava uma sensação de independência e liberdade, algo que só uma criança poderia entender em toda a sua plenitude. Estar em cima daquela bicicleta era como voar, como se, por alguns momentos, eu fosse capaz de escapar das responsabilidades diárias da loja e entrar num mundo de pura diversão. As ruas da cidade transformavam-se em pistas de corrida, e os pequenos caminhos de terra entre as árvores tornavam-se trilhas de exploração.


Naqueles momentos, a loja deixava de ser apenas um lugar de trabalho e tornava-se o meu parque de diversões pessoal. Cada bicicleta pendurada no teto era uma promessa de novas aventuras, e cada momento pedalando era uma lembrança de que a vida, mesmo nos seus momentos mais simples, podia ser repleta de emoção.


Sonhos e Aventuras Imaginárias

Enquanto pedalava pelas ruas de Santa Comba, a minha imaginação ganhava asas. Nas minhas aventuras, eu não era apenas um rapaz a aprender a andar de bicicleta — eu era um explorador, um herói de histórias épicas, desbravando novos territórios. Os campos de Angola, com suas paisagens vastas e abertas, tornavam-se os cenários perfeitos para os meus sonhos de infância. Cada curva no caminho era uma nova descoberta, e cada descida rápida me fazia sentir invencível.


Por mais curtas que fossem essas escapadas, elas significavam muito para mim. A bicicleta era o meu veículo não só para o movimento físico, mas também para o movimento da minha imaginação. Enquanto pedalava, eu sonhava com o futuro, imaginava-me a explorar lugares desconhecidos, a viver aventuras além daquelas que conhecia na loja. Para mim, a bicicleta era um símbolo de tudo o que o mundo tinha para oferecer — liberdade, possibilidade, e a emoção do desconhecido.


O Equilíbrio Entre Trabalho e Diversão

Ao longo daqueles primeiros anos, fui descobrindo um equilíbrio entre o trabalho na loja e as minhas aventuras de infância. A loja era o meu ponto de partida, o lugar onde eu aprendia sobre responsabilidade e ajudava a minha família. Mas as bicicletas, e as aventuras que elas me proporcionavam, davam-me um escape necessário, um espaço onde eu podia ser apenas uma criança, livre para explorar e sonhar.


O mais curioso era como esses dois mundos — o trabalho e a diversão — se misturavam. Enquanto organizava as prateleiras ou ajudava os clientes ao lado do meu pai, a loja parecia-me um lugar estável, um pilar na minha vida. Mas, ao mesmo tempo, cada bicicleta que eu via, cada conversa que ouvia dos clientes sobre as suas viagens ou aventuras, alimentava a minha curiosidade sobre o que havia além de Santa Comba.


As Lições das Bicicletas

Essas aventuras sobre duas rodas ensinaram-me mais do que simplesmente andar de bicicleta. Aprendi sobre perseverança, sobre a importância de cair e levantar-me de novo, sobre como o esforço vale a pena quando finalmente conseguimos aquilo que almejamos. Cada queda era uma lição em si, e cada vez que me levantava e tentava outra vez, estava a desenvolver uma resiliência que mais tarde se provaria essencial na vida.


As bicicletas representavam, para mim, um mundo de possibilidades. Embora o meu dia a dia fosse moldado pelas responsabilidades na loja, eu sabia que o mundo era muito maior do que as paredes do comércio do meu pai. As aventuras que eu vivia nas ruas de Santa Comba eram uma espécie de ensaio para os desafios que viriam mais tarde. Aquelas primeiras pedaladas, cheias de quedas e risos, eram também uma preparação para os momentos em que a vida real me faria cair, e eu precisaria encontrar forças para me levantar e continuar.


A Chegada da Guerra: O Fim da Tranquilidade

O dia 6 de agosto de 1975 será para sempre gravado na minha memória como o fim de uma era, o momento em que a paz e a estabilidade que conhecíamos em Santa Comba foram destruídas para sempre. Era uma manhã como qualquer outra, até que o som distante, mas ameaçador, de tiros e explosões começou a invadir o ar. Inicialmente, parecia irreal. Ouvíamos falar do avanço da guerra civil em outras partes de Angola, mas Santa Comba, com suas ruas tranquilas e a forte sensação de comunidade, parecia uma ilha de segurança. No entanto, esse sentimento de invulnerabilidade foi desfeito em questão de horas.


Naquele dia, a cidade, que até então parecia tão imune à violência, começou a desmoronar sob o peso do caos que se aproximava. O som dos tiros rasgava o ar, e de repente, tudo o que conhecíamos — a loja, a nossa casa, o conforto do cotidiano — começou a parecer efêmero. Aquela sensação de segurança, de saber que a vida continuava previsível e constante, desapareceu. Santa Comba, que eu conhecia desde a infância, transformou-se rapidamente de um lugar de estabilidade num campo de incertezas e medo.


O Impacto do Medo e a Rutura com o Cotidiano

O que mais me marcou naquele dia não foi apenas o som da guerra, mas a mudança instantânea na atmosfera da cidade. Antes, as pessoas caminhavam pelas ruas com calma, visitavam a loja do meu pai, cumprimentavam os vizinhos. Mas, de repente, esse ritmo calmo foi substituído por correria e pânico. As pessoas que sempre conheci e vi todos os dias, que até então vinham até à loja para comprar alimentos ou tecidos, estavam agora a fugir, a gritar, carregando nas mãos o pouco que podiam levar. O pânico era palpável, e os sorrisos que costumavam encher as ruas deram lugar a expressões de medo e desespero.


Nós, como muitos outros, sabíamos que não podíamos ficar. A guerra não fazia distinções, e a nossa loja, que antes era um pilar da comunidade, tornou-se apenas mais uma vítima da instabilidade que consumia o país. O meu pai, que até então era o pilar de calma e sabedoria na nossa família, tinha o olhar de alguém que sabia que o seu mundo estava a ser destruído. Ele, que sempre fora um símbolo de força para mim, agora carregava o peso de saber que perderíamos tudo o que havíamos construído.


Deixar Tudo Para Trás

Quando chegou o momento de partir, não havia tempo para reflexões ou despedidas. Fomos forçados a abandonar tudo. A loja, que durante tantos anos fora o centro das nossas vidas, ficou para trás. Deixamos as prateleiras organizadas, os produtos à espera de clientes que nunca mais voltariam. Os tecidos, que minha mãe e eu havíamos escolhido com tanto cuidado para as montras, permaneciam lá, como se aguardassem que as mulheres da comunidade viessem escolhê-los para suas próximas criações. Mas isso nunca aconteceria.


Fomos obrigados a fazer escolhas impossíveis. Não havia espaço para levarmos as memórias físicas que tanto significavam para nós — os objetos que contavam a nossa história, as fotos, os pequenos tesouros acumulados ao longo dos anos. Saímos de mãos vazias, levando apenas o que conseguíamos carregar no coração: as memórias de uma vida que já não existia. Eu, ainda jovem, não entendia completamente o que significava deixar tudo para trás, mas o peso daquela perda tornou-se mais claro à medida que nos afastávamos da cidade.


Cada passo que dávamos longe da loja era um passo rumo a um futuro incerto. Olhava para trás, tentando gravar na memória a imagem da fachada, das bicicletas penduradas no teto, dos tecidos coloridos empilhados cuidadosamente. Aquilo não era apenas uma loja; era o lugar onde aprendi sobre a vida, sobre a importância da responsabilidade e da comunidade. Era o lugar onde cresci e me tornei quem eu era. E agora, tudo isso estava a desaparecer.


O Silêncio da Destruição

Enquanto partíamos, o som dos tiros ao longe continuava, mas o que mais me impressionou foi o silêncio que se instalou dentro de mim. Era como se, com a perda da loja e da nossa casa, algo dentro de mim tivesse sido silenciado. A rotina que me dava segurança — o acordar cedo para ajudar na loja, as risadas enquanto preparava as montras com a minha mãe, o som do tilintar das bicicletas — tudo isso havia cessado abruptamente.


A cidade que eu conhecia agora estava envolta em caos. O que antes era um cenário de tranquilidade, com suas ruas de terra batida e árvores altas que sombreavam os passeios, agora parecia um lugar desolado, onde o medo e a incerteza reinavam. O fim da tranquilidade de Santa Comba marcou o fim de uma era na minha vida, uma ruptura entre a infância que eu havia conhecido e a realidade brutal que a guerra trouxe.


O Desapego Forçado

Fomos forçados a nos desapegar de tudo: dos bens materiais, da nossa história física, e até da sensação de pertencimento. Santa Comba sempre havia sido o meu mundo, o lugar onde eu sentia que estava em casa. Mas agora, esse sentimento de lar havia sido arrancado de nós. O que mais me doía não era tanto deixar os objetos para trás, mas o fato de que estávamos a perder a nossa identidade, a nossa conexão com o passado. A loja do meu pai era o símbolo de tudo o que havíamos construído — não apenas materialmente, mas emocionalmente. E agora, tudo isso estava a desaparecer, forçando-nos a reinventar quem éramos.


A incerteza sobre o que viria a seguir era esmagadora. O que significava partir? Para onde iríamos? Como recomeçar quando tudo o que conhecíamos havia ficado para trás? Essas perguntas rodopiavam na minha mente, mas, ao mesmo tempo, havia uma certeza dolorosa: a vida que conhecíamos em Santa Comba havia acabado. Não havia mais volta.


As Memórias que Ficaram no Coração

Ao deixar Santa Comba, carregávamos o que podíamos fisicamente, mas, mais do que isso, carregávamos as memórias. Eu, particularmente, me agarrava às lembranças da loja do meu pai, como se elas fossem uma âncora em meio ao caos. Recordava-me das tardes passadas ao lado da minha mãe, organizando as montras, das risadas dos vizinhos que entravam na loja, das aventuras de bicicleta pelas ruas da cidade.


Essas memórias tornaram-se o meu refúgio durante os tempos difíceis que se seguiram. Embora tivéssemos perdido tudo materialmente, eu sabia que ainda tinha essas lembranças guardadas dentro de mim. E, de alguma forma, essas memórias foram o que me ajudou a continuar. Elas eram a prova de que, mesmo no meio da destruição, ainda havia algo de valor que não podia ser tirado de nós — a nossa história, a nossa identidade, a nossa força como família.


A Nova Vida: Da Angola para o Mundo

A adaptação a uma nova realidade foi, sem dúvida, uma das partes mais difíceis da nossa jornada. Deixámos para trás tudo o que conhecíamos em Angola — a loja, a nossa casa, os amigos e até a nossa própria identidade como parte daquela comunidade. Agora, éramos estrangeiros numa nova terra, começando do zero. O sentimento de incerteza era avassalador, e a sensação de perda ainda era crua. No entanto, mesmo nas horas mais escuras, havia algo que me sustentava: as lições que aprendi na loja do meu pai.


Portugal: O Primeiro Recomeço

Quando chegámos a Portugal, tudo parecia estranho e distante. Embora falássemos a mesma língua, a sensação de pertencimento não estava presente. A transição foi especialmente difícil para os meus pais, que passaram a vida a construir algo em Angola e agora se viam despojados de tudo o que haviam trabalhado tão arduamente para conquistar. Ainda assim, havia uma resiliência silenciosa neles, uma determinação de continuar. A sua capacidade de enfrentar a adversidade tornou-se um exemplo poderoso para mim.


Portugal era uma nova realidade, tanto geograficamente quanto emocionalmente. Já não éramos os donos da loja ou os membros centrais de uma pequena comunidade em Santa Comba. Agora éramos refugiados, parte de um grupo maior de pessoas que também haviam fugido da guerra em Angola. As ruas de Portugal, com as suas calçadas de pedra e edifícios históricos, ofereciam uma beleza diferente, mas ao mesmo tempo reforçavam o sentimento de deslocamento. Era uma beleza que, para nós, estava impregnada de uma melancolia profunda.


Para os meus pais, a adaptação foi mais difícil ainda. Eles, que sempre haviam sido independentes, agora tinham de depender da ajuda de outros, algo que os deixava desconfortáveis. Mas o espírito de trabalho árduo e de resiliência que aprendi com eles na loja em Santa Comba voltou a emergir. O meu pai, mesmo abalado pela perda, começou a procurar novas oportunidades de trabalho, e a minha mãe manteve-se forte, continuando a cuidar de nós com a mesma atenção e carinho que demonstrava quando organizava as montras da loja. Eles ensinaram-me que, por mais difíceis que as circunstâncias possam ser, nunca devemos desistir.


A Jornada para os Estados Unidos: Um Novo Horizonte

Depois de algum tempo em Portugal, surgiu a oportunidade de nos mudarmos para os Estados Unidos. Essa possibilidade foi, ao mesmo tempo, excitante e aterradora. Os Estados Unidos representavam uma nova esperança, mas também um grande desconhecido. Para mim, jovem e curioso, a América era um lugar de promessas, um país onde tudo parecia possível. Mas para os meus pais, havia um certo receio do que isso significava — um lugar tão distante, não apenas fisicamente, mas culturalmente, onde as diferenças seriam ainda mais pronunciadas.


A viagem para os Estados Unidos foi um divisor de águas na nossa vida. Ao aterrar em solo americano, senti imediatamente que estávamos num lugar completamente diferente de qualquer coisa que já havíamos conhecido. As ruas eram largas, as cidades imensas, e tudo se movia num ritmo muito mais rápido. Já não estávamos no ambiente familiar de Angola, nem nas ruas históricas de Portugal. Estávamos num novo mundo.

A adaptação nos Estados Unidos foi um desafio monumental. A barreira cultural era enorme, e o fato de sermos imigrantes adicionava uma camada extra de dificuldade. Tínhamos que aprender a viver num país onde tudo era diferente — a língua, os costumes, o modo de vida. Lembro-me de como as primeiras semanas foram um verdadeiro teste de paciência e determinação. Mas, ao mesmo tempo, sabíamos que essa era a nossa chance de recomeçar de verdade, de construir algo novo.


As Lições da Loja: Trabalho, Resiliência e Relacionamentos

Foi durante essa transição que as lições que aprendi na loja do meu pai em Angola se tornaram ainda mais valiosas. Eu sabia que o trabalho árduo era a chave para qualquer tipo de sucesso. Tínhamos perdido tudo uma vez, mas agora estávamos determinados a reconstruir, mesmo que isso significasse começar do zero mais uma vez. As palavras do meu pai ressoavam na minha mente: "O sucesso vem do trabalho, do respeito pelos outros e da resiliência." E assim, com essas lições em mente, começamos a construir uma nova vida.


Nos Estados Unidos, o meu pai encontrou trabalho, e embora fosse muito diferente da vida que tínhamos em Angola, ele nunca se queixou. A sua resiliência era admirável, e a sua capacidade de continuar em frente, apesar das adversidades, foi o que nos manteve unidos. A minha mãe, com a sua força silenciosa, continuou a cuidar de nós, lembrando-nos de que a família era a coisa mais importante. Eu sabia que, por mais que o caminho fosse difícil, as lições que aprendemos na loja — de organização, de cuidar dos detalhes, de construir relações com as pessoas — eram aplicáveis em qualquer lugar.


No meio dessa nova realidade, construímos novas relações. A América, embora distante e diferente, começou a se tornar um lar. Aprendemos a adaptar-nos, a integrar-nos e a fazer parte dessa nova comunidade. As memórias da loja em Santa Comba, embora sempre presentes, tornaram-se um farol que nos guiava — um lembrete de que, independentemente das circunstâncias, podíamos começar de novo e construir algo com valor.


A Reconstrução da Identidade

A adaptação aos Estados Unidos também foi um processo de reconstrução da identidade. Em Angola, éramos parte de uma comunidade pequena e íntima, onde todos se conheciam. Nos Estados Unidos, passámos a fazer parte de uma sociedade muito maior e mais diversificada. Houve momentos de solidão e de dúvida, mas também houve momentos de descoberta e crescimento. Começamos a perceber que, embora estivéssemos num lugar diferente, as lições da nossa vida em Angola e o espírito da loja do meu pai continuavam a viver em nós.


A loja, com as suas prateleiras cuidadosamente organizadas e as montras vibrantes, tornou-se uma metáfora para a nossa nova vida. Tivemos que reorganizar as nossas vidas, redefinir quem éramos e o que queríamos para o futuro. Tal como na loja, onde cada produto era escolhido e colocado com atenção, assim também fizemos com a nossa nova vida — reconstruímos com paciência e cuidado, um passo de cada vez.


Angola e a Loja: Sempre Presentes

Mesmo depois de tantos anos, Angola e a loja do meu pai nunca deixaram de fazer parte de mim. As memórias de Santa Comba, das aventuras de bicicleta, das manhãs passadas ao lado da minha mãe a organizar os tecidos, e dos clientes que entravam e saíam da loja, permanecem vivas no meu coração. Embora o mundo à nossa volta tivesse mudado drasticamente, essas lembranças mantinham-me conectado às minhas raízes e davam-me forças para seguir em frente.


A loja era mais do que um lugar físico — era um símbolo de tudo o que eu aprendi sobre trabalho, comunidade e resiliência. E, mesmo quando estávamos num novo país, com uma nova vida pela frente, eu sabia que essas lições seriam o alicerce sobre o qual construiria o meu futuro. Nunca me esqueci de onde vim, e isso moldou a maneira como enfrentei cada novo desafio que a vida nos apresentou.


O Futuro: A Continuação da Jornada

A nossa jornada de Angola para Portugal, e depois para os Estados Unidos, foi marcada por perda, desafios e recomeços. Mas, ao mesmo tempo, foi uma jornada de aprendizado, de resiliência e de crescimento. Cada etapa trouxe novas lições e novas oportunidades para nos reinventarmos. E, à medida que avançávamos, as lições da loja do meu pai continuavam a guiar-nos.


Com o tempo, construímos uma nova vida nos Estados Unidos, uma vida que, embora diferente da que conhecíamos em Angola, ainda carregava o espírito de tudo o que aprendemos. O trabalho árduo, a importância de construir relações, e a resiliência em tempos de adversidade tornaram-se os pilares da nossa nova vida. Embora o caminho tenha sido longo e cheio de desafios, sabíamos que estávamos prontos para enfrentá-los, armados com as lições do passado.


A Xitaka: O Reencontro com a Paz

Quando penso na vida que construí em Idaho, na minha Xitaka, sinto uma paz que contrasta com os dias turbulentos que marcaram a minha juventude. A Xitaka não é apenas uma pequena quinta; é um santuário de tranquilidade, onde posso mergulhar nas minhas memórias e, ao mesmo tempo, conectar-me com o presente. É um pedaço de terra cheio de vida — galinhas, gansos, patos que vagueiam pelo quintal, cabras que me seguem como fiéis companheiras, gatos que se espreguiçam ao sol, e cães que correm livres. Cada animal tem um papel neste ciclo de simplicidade que me traz um tipo de paz quase espiritual.


Cuidar da Xitaka é um exercício de paciência, de atenção aos detalhes, de estar presente. Tal como eu fazia ao lado da minha mãe enquanto organizávamos as montras da loja, aqui, na quinta, cada pequeno gesto tem significado. Quando alimento as galinhas ou recolho os ovos frescos de manhã, sinto-me conectado à terra de uma forma que, de alguma maneira, ecoa as lições que aprendi no comércio familiar. Tal como nas tarefas da loja, há uma simplicidade e beleza na repetição do trabalho diário. E, assim como na loja do meu pai, onde cada cliente trazia uma nova história, na Xitaka, cada animal, cada ciclo da natureza, me ensina algo sobre paciência e resiliência.


A vida no campo permite-me desacelerar e refletir sobre as minhas raízes. As colinas verdejantes de Idaho, os riachos cristalinos e a brisa suave são o cenário ideal para essas reflexões. Frequentemente, enquanto caminho pelos campos ou observo as árvores balançando ao vento, sou transportado de volta para Angola. Há algo nas paisagens rurais da Xitaka que desperta memórias adormecidas da minha infância em Santa Comba, antes de tudo ser interrompido pela guerra. Tal como os campos férteis que rodeiam a minha casa em Idaho, as memórias de Angola continuam a florescer dentro de mim, alimentadas pela nostalgia e pelo tempo.


Reflexões: Angola no Coração

Viver no Idaho rural não significa que Angola tenha ficado para trás. Pelo contrário, Angola continua viva em cada canto da minha memória, e a loja do meu pai, em particular, é um símbolo poderoso dessa conexão. Recordo as cores vibrantes dos tecidos africanos, os sons das conversas animadas na loja, o cheiro do café torrado que perfumava o ar quando os clientes paravam para comprar os seus mantimentos.


Às vezes, ao alimentar as galinhas ou a cuidar do jardim na Xitaka, consigo quase sentir o calor do sol de Angola, como se os dois mundos se encontrassem por um breve momento. É como se Idaho e Angola, separados por oceanos e continentes, se unissem através das memórias que carrego. As cicatrizes da guerra ainda existem, claro, mas são suavizadas pela tranquilidade que encontrei aqui, na minha pequena quinta. Ao contrário da Angola de 1975, a Xitaka oferece-me estabilidade e segurança, um lugar onde posso cuidar da terra e dos animais sem medo do que o amanhã trará.


E assim, cada canto da Xitaka reflete um pedaço de Angola. As árvores altas fazem-me lembrar as palmeiras que balançavam sobre a nossa casa em Santa Comba, enquanto o canto dos pássaros ao amanhecer evoca as manhãs na loja, quando o dia começava e os primeiros clientes chegavam para fazer as suas compras. Embora tenha deixado Angola, ela nunca deixou de estar presente em mim.


Lições para o Futuro

Na Xitaka, encontro também espaço para pensar sobre o futuro. Com o passar dos anos, percebi que as lições que aprendi na loja do meu pai moldaram não apenas a minha infância, mas também a minha vida adulta. A resiliência que desenvolvi, o senso de comunidade, e o valor do trabalho duro são todos reflexos daquele pequeno espaço comercial. Agora, quero passar essas lições adiante, para os meus filhos e netos.


Quero que eles saibam que, não importa onde estejam ou o que enfrentem, as suas raízes são profundas e fortes. A nossa família tem uma longa história de trabalho árduo e superação de desafios, e a loja do meu pai foi apenas o começo dessa história. Na Xitaka, tento ensinar aos meus filhos a importância de cuidar da terra, de respeitar os animais e de valorizar o que temos. Tal como o meu pai fez comigo, quero que eles entendam que o trabalho não é apenas uma necessidade, mas uma forma de conexão com o mundo ao nosso redor.


A vida na Xitaka é simples, mas profundamente significativa. Cada manhã traz novas oportunidades de aprender, e cada estação do ano traz as suas próprias recompensas e desafios. Há algo de profundamente gratificante em ver o ciclo da vida a desenrolar-se diante dos meus olhos — os ovos que se transformam em pintos, as sementes que crescem em plantas robustas, o sol que se põe todas as noites apenas para renascer no dia seguinte. Todas essas experiências me lembram de que, mesmo em tempos de perda e incerteza, a vida continua, e há sempre algo novo a descobrir.


O Legado da Loja do Meu Pai

Embora a loja do meu pai tenha sido deixada para trás em Angola, o seu legado continua a viver em mim. Cada dia na Xitaka, cada vez que cuido dos meus animais ou planto algo novo no jardim, é uma homenagem ao que aprendi naquela loja. As lições de responsabilidade, paciência, e atenção aos detalhes que adquiri enquanto ajudava o meu pai e a minha mãe continuam a guiar-me, mesmo agora, décadas depois.


Talvez nunca regresse fisicamente à loja, mas ela vive nas histórias que partilho com a minha família, nas memórias que guardo e nas lições que aplico diariamente. A loja foi muito mais do que um espaço de comércio; foi um espaço de aprendizagem, de crescimento e de formação de caráter. Foi ali que comecei a perceber o valor da comunidade, da partilha e da importância de estarmos presentes na vida uns dos outros.


A minha jornada, que começou em Santa Comba e me levou até Idaho, continua a ser escrita. E, embora os cenários tenham mudado — das prateleiras cheias de produtos na loja do meu pai às árvores e campos da Xitaka —, os valores permanecem os mesmos. O que realmente importa na vida é o que fazemos com o tempo e com as oportunidades que nos são dadas. E, por mais simples que seja, há uma grandeza em viver uma vida baseada no amor, no trabalho honesto e nas conexões humanas.


O Valor das Pequenas Coisas

Na Xitaka, o meu dia a dia é repleto de pequenos rituais que me lembram do valor das coisas simples. Levantar-me cedo, sentir a brisa da manhã no rosto, caminhar pelo quintal enquanto ouço o som dos meus animais — tudo isso traz uma paz que é difícil de descrever. Enquanto cuido das galinhas, gansos e patos, lembro-me de como, na loja do meu pai, cada cliente era atendido com o mesmo cuidado e atenção. Na verdade, cuidar dos meus animais é, de certa forma, semelhante ao trabalho que fazíamos na loja: requer paciência, dedicação e um olhar atento para os detalhes.


Cada dia na Xitaka é uma oportunidade para viver o presente e refletir sobre o passado. Às vezes, quando vejo os meus cães correrem livres pelo campo ou ouço o balido das cabras, penso em como a vida poderia ter sido diferente se tivéssemos ficado em Angola. Mas, em vez de me perder em “e se...”, escolho focar-me nas lições que a vida me deu. O passado é um lugar ao qual sempre retornarei em pensamento, mas o presente é onde encontro a oportunidade de crescer, de aprender e de continuar a construir algo novo.


Aqui, em Idaho, encontrei um ritmo de vida que me permite apreciar as pequenas coisas que antes poderiam ter passado despercebidas. O simples ato de colher vegetais do meu jardim, de ver as flores desabrocharem, de observar as estações mudarem — tudo isso me ensina sobre o ciclo da vida, sobre a importância de cada momento, e sobre como até mesmo as tarefas mais mundanas podem ter um significado mais profundo.


A Conexão com a Terra: Um Ciclo de Vida

Uma das maiores lições que a Xitaka me deu é a importância de estar conectado com a terra. A cada temporada, planto novas sementes, cuidando delas com a mesma dedicação que a minha família cuidava da loja em Santa Comba. Tal como um agricultor cuida da sua colheita, eu cuido da minha pequena quinta, sabendo que os frutos do meu trabalho virão com o tempo e com paciência.


Aqui, na tranquilidade de Idaho, vejo os ciclos naturais a desenrolarem-se à minha volta: os animais crescem, as plantas florescem e o sol põe-se todos os dias, prometendo um novo amanhecer. É um ciclo de vida que me lembra constantemente que, mesmo em tempos de adversidade, a natureza continua o seu curso. Esta conexão com a terra, com os animais e com a simplicidade da vida rural é algo que me faz sentir enraizado, independentemente de onde esteja fisicamente.


Quando colho vegetais ou quando vejo uma ninhada de pintainhos a nascer, lembro-me das manhãs na loja do meu pai, quando os clientes vinham comprar mantimentos frescos e partilhavam histórias da sua vida. Havia uma simplicidade na troca de produtos e histórias que continua a ecoar na minha vida na Xitaka. Hoje, vejo-me a partilhar essas mesmas histórias com os meus filhos e netos, na esperança de que eles também entendam o valor do trabalho árduo e da conexão com a terra.


O Resgate das Memórias Através da Natureza

A Xitaka tornou-se, de muitas maneiras, um lugar de cura. É aqui que resgato as memórias da minha infância e as reconecto com o presente. A cada dia, enquanto cuido dos meus animais e da terra, percebo que, mesmo longe de Angola, nunca estarei verdadeiramente separado das minhas raízes. As lições que aprendi na loja do meu pai e na vida que tivemos em Santa Comba ainda me guiam. Na Xitaka, tenho a oportunidade de continuar essas lições, de viver uma vida simples, mas cheia de propósito.


É curioso como a natureza tem o poder de nos transportar para outros tempos e lugares. Aqui, entre as árvores e os animais, muitas vezes sou transportado de volta para a Angola da minha infância, onde as colinas e os campos eram o meu playground. Embora a paisagem de Idaho seja diferente, o sentimento de liberdade, de conexão com a terra, é o mesmo. E, de alguma forma, isso traz-me uma sensação de conforto e de pertença.


O Passado Vive no Presente

A Xitaka também me deu a oportunidade de passar as histórias da nossa família adiante. Os meus filhos e netos, embora cresçam num mundo muito diferente do que eu conheci, são constantemente expostos às histórias de Angola, à nossa loja e à resiliência que a nossa família demonstrou ao longo dos anos. Quero que eles saibam que, mesmo quando enfrentamos tempos difíceis, como a guerra que nos forçou a fugir de Angola, há sempre algo a aprender, algo a valorizar.


As histórias da loja do meu pai continuam a viver em cada refeição que partilhamos em família, em cada manhã passada juntos na Xitaka, e em cada vez que me sento com os meus netos para lhes contar sobre as aventuras da minha juventude. O passado não é um fardo; é um tesouro que partilho com eles, uma forma de lhes mostrar que a vida é feita de ciclos, de desafios, e de momentos que devemos apreciar.


Um Futuro Baseado nas Raízes do Passado

Enquanto penso no futuro, vejo a Xitaka como o lugar onde continuarei a crescer, a aprender e a ensinar. É aqui que a minha jornada continua, uma jornada que começou em Angola e que, de alguma forma, continua a ecoar em tudo o que faço. As lições da loja do meu pai, as memórias de Santa Comba, e a vida que construí em Idaho estão todas interligadas. E assim, enquanto cuido da terra e dos meus animais, sei que estou a honrar o passado e a preparar o futuro.


O futuro que imagino para os meus filhos e netos é um futuro onde eles possam olhar para trás com orgulho, sabendo que as suas raízes são profundas e fortes. Quero que eles levem consigo as lições que a nossa família aprendeu, tanto nas dificuldades quanto nas vitórias, e que entendam que, independentemente de onde a vida os leve, sempre terão uma âncora nas histórias que partilhamos.


A Casa e a Loja: Um Lar Dentro da Comunidade

A nossa casa estava diretamente ligada à loja, um detalhe que talvez para outros fosse apenas prático, mas que, para mim, simbolizava muito mais. Viver com a loja como uma extensão do nosso lar significava que nunca havia uma linha rígida entre a vida familiar e a vida comunitária. A loja era o nosso sustento, o nosso ponto de encontro com os vizinhos e, de muitas formas, o centro de tudo o que fazíamos.


A imagem das minhas duas irmãs e da minha prima em frente à nossa casa, que estava ligada à loja, é uma lembrança vívida daqueles dias. Elas, como eu, faziam parte desse microcosmo onde o trabalho e a vida familiar se misturavam sem esforço. Eu lembro-me bem da sensação de acordar de manhã e, após o pequeno-almoço, já estar ao lado do meu pai na loja, atendendo os clientes que chegavam cedo para comprar pão, café ou algum tecido novo para fazer roupas.


O Fluxo Constante Entre a Casa e a Loja

Havia um fluxo constante entre a nossa casa e a loja. Muitas vezes, a minha mãe ia da cozinha para a loja para ajudar a organizar as montras, enquanto eu corria para a rua, perto das bicicletas penduradas no teto. Para nós, crianças, a vida era uma fusão de brincadeiras e responsabilidades. As risadas ecoavam pela casa enquanto corríamos pela rua de terra em frente à loja, mas sempre com um ouvido atento aos chamados da nossa mãe para ajudar em alguma tarefa.


A casa em si era um ponto de estabilidade num mundo que, sem que soubéssemos, estava prestes a mudar. Quando penso na imagem das minhas irmãs e prima naquela rua de Santa Comba, é como se o tempo tivesse parado por um momento. A luz do sol batendo suavemente na fachada da casa e o silêncio calmo da rua evocam uma sensação de tranquilidade, um equilíbrio entre a segurança do lar e a responsabilidade que tínhamos na loja.


O Papel das Minhas Irmãs e Primas na Loja

As minhas irmãs e prima também participavam na vida da loja. Elas ajudavam a minha mãe a escolher os tecidos que exibíamos na montra, e eu lembro-me de como se orgulhavam de criar uma bela apresentação para atrair os olhos dos nossos clientes. Cada peça de tecido que vendíamos carregava uma história, e elas estavam sempre presentes, participando desse processo, aprendendo desde cedo sobre o valor do trabalho e da colaboração familiar.


Ver as minhas irmãs e prima juntas, em frente à nossa casa, relembra-me do laço inquebrável que formámos naquela época. Era um tempo em que a família e o trabalho estavam tão interligados que parecia impossível separá-los. Nós éramos uma equipe, e a loja não era apenas um espaço comercial; era uma parte integrante da nossa identidade familiar.


Memórias de Um Tempo Inocente

Aquela rua em Santa Comba, onde a nossa casa e loja estavam localizadas, é uma imagem forte que guardo na memória. As árvores ao longo da estrada proporcionavam sombra durante os dias quentes de verão, e as pessoas caminhavam lentamente, parando para conversar ou para fazer compras. Não havia pressa. Era uma vida comunitária, onde cada pessoa que passava pela nossa loja era mais do que um cliente, era um amigo, um vizinho.


A simplicidade da vida naquele tempo ainda ressoa comigo. Enquanto a guerra civil se aproximava e as mudanças se tornavam inevitáveis, eu não poderia ter imaginado que, em breve, aquela cena tranquila de Santa Comba, com as minhas irmãs e prima à porta da nossa casa, seria algo do passado. A guerra viria, e seríamos forçados a deixar tudo para trás, mas as memórias daquele tempo inocente, antes de tudo mudar, continuam a viver em mim.


A Dinâmica Familiar na Loja

A proximidade entre a nossa casa e a loja criava uma dinâmica familiar muito especial. O fato de vivermos e trabalharmos juntos todos os dias solidificava os laços que tínhamos uns com os outros. Não era apenas um local de trabalho; era onde cresci, aprendi sobre responsabilidade e vi de perto o que significa gerir um negócio familiar.

A minha mãe cuidava da casa, mas também tinha um papel central na loja, especialmente na escolha dos tecidos e na forma como organizávamos as mercadorias.


Eu e as minhas irmãs, por nossa vez, ajudávamos em tudo o que podíamos, aprendendo aos poucos sobre comércio, trabalho árduo e como servir a nossa comunidade. Não era raro eu estar na loja atendendo um cliente e ouvir a minha mãe chamar-me para uma tarefa em casa. Este vai e vem entre a casa e a loja tornou-se natural, um reflexo da nossa vida interligada.


A Importância das Raízes e da Família

Agora, vivendo na Xitaka, reflito sobre como esses momentos em Santa Comba moldaram a minha visão sobre família, trabalho e comunidade. Assim como a nossa loja estava fisicamente ligada à nossa casa, sinto que a minha vida na Xitaka também está profundamente conectada às raízes que plantei em Angola. Cada dia que passo aqui, cuidando da terra e dos animais, é uma extensão do que aprendi naqueles primeiros anos ao lado da minha família.


Aquela foto das minhas irmãs e prima em frente à nossa casa é um símbolo de um tempo passado, mas também de uma continuidade. A conexão que tínhamos naquela época, vivendo e trabalhando juntos, continua a existir na forma como hoje cuido da minha própria família. A vida em Angola pode ter sido interrompida pela guerra, mas as lições e os valores que adquirimos nunca desapareceram. Eles vivem na Xitaka, no meu trabalho diário, e na forma como aprecio a importância das pequenas coisas — da terra, da família e da comunidade.




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