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Crises, "Pesadelos Diários" e o Despertar Nacional
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O Contexto Atual dos "Pesadelos Diários"
Atualmente, muitos americanos sentem que o país vive numa constante sucessão de crises. De acordo com um estudo realizado pela American Psychological Association em 2017, 59% dos americanos descrevem o momento atual como o "ponto mais baixo da história nacional" de que se recordam. Este sentimento é partilhado por pessoas de diferentes gerações, incluindo aquelas que viveram períodos como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Vietname ou o 11 de Setembro. Notícias diárias sobre instabilidade política, agitação social, emergências de saúde pública e insegurança económica criam uma sensação generalizada de ansiedade. Para muitos, cada nova notícia parece um "pesadelo diário", intensificando o receio de que o sonho americano esteja a desvanecer-se.
Contudo, a história e diversas teorias levantam uma questão intrigante: será que este mesmo desconforto pode despertar uma consciência nacional mais forte? Poderão crises sucessivas – intencionais ou acidentais – impulsionar uma maior consciencialização social ou até catalisar uma mudança transformadora? Para explorar esta hipótese, iremos analisar aspetos culturais, políticos e históricos de como períodos de turbulência têm influenciado a consciência coletiva da sociedade americana.
O Desconforto como Catalisador da Consciência Nacional
Existe uma ideia antiga de que períodos de adversidade intensa podem tornar-se pontos de viragem, despertando o público para problemas que estavam despercebidos. O líder dos direitos civis Martin Luther King Jr. adotou explicitamente a estratégia de criar crises "construtivas" para despertar consciência. Na sua famosa "Carta da Prisão de Birmingham", de 1963, King afirmou que "a ação direta não violenta procura criar uma crise e estabelecer uma tensão criativa que obrigue uma comunidade que se tem recusado constantemente a negociar a enfrentar a questão". O objetivo era "dramatizar o problema de tal modo que não possa mais ser ignorado, criando uma situação tão saturada de crise que inevitavelmente abrirá a porta à negociação".
Na perspetiva de King, o desconforto era "necessário para o crescimento", uma forma de revelar injustiças escondidas e estimular a "luz da consciência humana" na sociedade em geral. Isto reflete uma utilização deliberada da crise para elevar a consciência moral.
Mesmo fora do ativismo, observadores têm notado que apenas grandes choques parecem precipitar mudanças reais. O economista Milton Friedman afirmou que "apenas uma crise – real ou percebida – produz mudanças reais. Quando essa crise ocorre, as ações tomadas dependem das ideias que estão disponíveis". Este ponto de vista foi ecoado décadas depois por figuras políticas como Rahm Emanuel, que declarou durante a crise financeira de 2008 que "nunca se deve desperdiçar uma crise séria", considerando-a uma oportunidade para implementar grandes reformas. Nesta perspetiva, a crise tira a sociedade da complacência, criando uma janela em que a consciência pública e o cenário político se tornam mais maleáveis, permitindo fazer "coisas que antes se julgavam impossíveis".
Naturalmente, nem todos consideram que esta turbulência seja intencional ou positiva. Alguns críticos argumentam que o caos constante pode dividir ou esmagar o público em vez de esclarecê-lo. Antes de explorar estas preocupações, será útil examinar exemplos históricos e contemporâneos frequentemente citados pelos defensores da ideia de "despertar através da crise".
Consciencialização em Meio ao Caos: Perspetivas Contemporâneas
Comentadores políticos têm observado que os últimos anos de turbulência galvanizaram, em certa medida, o público americano. Paradoxalmente, a desordem que muitos consideram assustadora também impulsionou o envolvimento cívico a níveis inéditos em décadas. Por exemplo, o mandato disruptivo do presidente Donald Trump foi visto por muitos como uma crise democrática, mas também provocou uma "resposta imunológica sistémica no corpo político", gerando uma onda de ativismo tanto entre os seus opositores como apoiantes.
O jornal The Atlantic chamou a este fenómeno uma "onda cívica", destacando que milhões de americanos anteriormente desinteressados começaram a participar em manifestações, reuniões públicas, grupos c ívicos e a subscrever órgãos de comunicação em resposta às controvérsias diárias. Associações como a ACLU e a League of Women Voters tiveram um aumento significativo de membros, e pesquisas sobre termos constitucionais como "Cláusula de Emolumentos" dispararam, à medida que os cidadãos se educavam sobre mecanismos governamentais de controle e equilíbrio.
A socióloga política Dana Fisher documentou um padrão semelhante após as eleições de 2016, referindo que a vitória de Trump "desencadeou um ativismo progressista a uma velocidade nunca vista antes na política americana", com muitos participantes a protestarem pela primeira vez. Na Marcha das Mulheres de 2017, um terço dos manifestantes nunca tinha participado em protestos anteriormente. Fisher observou que as motivações eram diversas – imigração, justiça racial, direitos das mulheres e meio ambiente –, mas unidas por um sentimento comum de alarme. Segundo ela, "todos estão zangados, embora por razões diferentes. Trump está a ajudar as pessoas a encontrarem terreno comum".
Este envolvimento não tem sido unilateral. Períodos de agitação podem despertar consciências concorrentes em grupos opostos. Enquanto americanos liberais e moderados mobilizaram-se em "resistência" a Trump, muitos conservadores sentiram-se igualmente energizados pelo seu estilo disruptivo. Como resultado, houve um aumento generalizado na participação política, ainda que polarizado. O comentador Eric Liu comparou-o a uma resposta imunitária: o "vírus" da governança caótica despertou os "anticorpos" do ativismo cidadão em todas as frentes.
Paralelos Históricos: Crise e Transformação
A Grande Depressão (1929–1939)
A catástrofe económica dos anos 1930 abalou profundamente a sociedade americana. Com o colapso dos bancos, desemprego atingindo 25% e filas intermináveis para distribuição de alimentos, a fé dos americanos no sistema vigente ficou seriamente comprometida. Este trauma conduziu a um intenso exame nacional sobre o capitalismo e o papel do governo. Sob o New Deal de Franklin D. Roosevelt, o país experimentou um despertar político e económico sem precedentes: ideias anteriormente consideradas radicais, como a Segurança Social, seguro de desemprego e regulamentação bancária, tornaram-se realidade.
A Depressão promoveu uma "consciência de classe", levando até um presidente centrista a criticar os "realistas económicos" em nome do cidadão comum. Em resumo, o sofrimento gerado pela Depressão obrigou os americanos a confrontarem-se com profundas desigualdades e impulsionou reformas transformadoras nas políticas económicas e no contrato social da nação.

Movimento pelos Direitos Civis (décadas de 1950–1960)
O movimento dos direitos civis demonstra como crises morais podem elevar a consciência nacional. A luta dos afro-americanos contra a segregação racial frequentemente envolveu expor deliberadamente a brutalidade do racismo para chocar a consciência da América branca. As imagens televisivas de manifestantes pacíficos agredidos por cães policiais e mangueiras de alta pressão em Birmingham (1963) causaram horror nacional, gerando o que Martin Luther King descreveu como uma "tensão criativa" impossível de ignorar. Essas cenas chocantes despertaram a consciência pública e abriram caminho para reformas históricas, como a Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei do Direito ao Voto de 1965.

Os Ataques de 11 de Setembro de 2001
Algumas crises nacionais produzem uma mudança imediata, ainda que temporária, na consciência coletiva. Os ataques terroristas de 11 de setembro, tragédia súbita que causou a morte de quase 3.000 pessoas, levaram os americanos a um raro momento de união e propósito coletivo. Durante um curto período, uma "nação profundamente abalada uniu-se num espírito de tristeza e patriotismo", ultrapassando divisões partidárias. Cidadãos anteriormente apáticos começaram a seguir atentamente as notícias; segurança, política externa e equilíbrio entre liberdade e segurança tornaram-se temas centrais de debate público. Esta crise também provocou transformações estruturais: criação do Departamento de Segurança Interna, reorganização das agências de inteligência e aprovação da Lei USA PATRIOT, indicando uma sociedade intensamente consciente das suas vulnerabilidades e disposta a reinventar-se para as enfrentar. Embora algumas destas mudanças tenham sido controversas, é inegável que o 11 de setembro alterou profundamente a visão de mundo dos americanos, substituindo a complacência dos anos 90 por uma consciência aguda das ameaças globais e um aumento do serviço público e solidariedade comunitária.

Paralelos Históricos: Crise e Transformação
Crise e Período | Natureza da Crise | Consciência Pública Elevada | Transformações ou Reformas Resultantes |
Grande Depressão (1929–1939) | Colapso económico: falência bancária, desemprego em massa, pobreza generalizada. | Consciência das falhas sistémicas económicas e sofrimento generalizado; exigência de intervenção governamental. | Reformas do New Deal (Segurança Social, programas de emprego, regulação financeira) ampliaram a responsabilidade federal pelo bem-estar. |
Movimento pelos Direitos Civis (1950–1960) | Segregação racial e opressão violenta contra afro-americanos expostas por protestos e meios de comunicação. | Despertar moral nacional sobre questões raciais; indignação generalizada face às imagens de brutalidade (ex.: Birmingham, 1963). | Lei dos Direitos Civis (1964) e Lei do Direito ao Voto (1965) eliminaram a segregação legal e protegeram os direitos eleitorais dos afro-americanos. |
Guerra do Vietname e Revoltas dos anos 60 | Guerra prolongada com muitas baixas; desigualdades no recrutamento militar; protestos estudantis e revolta social generalizada. | Maior ceticismo quanto ao governo e à autoridade militar; contracultura juvenil que questionava os valores americanos; exigência pública por limites aos poderes militares. | Lei dos Poderes de Guerra (1973) e fim do recrutamento militar obrigatório (1973). Crescimento de uma atitude pública mais crítica e cautelosa em relação à política externa americana. |
Escândalo Watergate (1972–1974) | Crise política: crimes e encobrimentos pela Casa Branca, culminando na renúncia do Presidente Nixon. | Choque perante abuso de poder presidencial; perda de confiança no governo; vigilância pública e mediática reforçada sobre ética política. | Reformas governamentais como o Ethics in Government Act, novas leis sobre financiamento eleitoral e supervisão reforçada do executivo pelo Congresso. |
11 de Setembro de 2001 | Ataques terroristas destruíram o World Trade Center e parte do Pentágono; quase 3.000 mortos. | Unidade nacional sem precedentes na tristeza e determinação; maior consciência das ameaças terroristas e segurança; disposição para sacrificar liberdades por segurança. | Lançamento da "Guerra ao Terror" (Afeganistão, etc.); criação do Departamento de Segurança Interna; Lei USA PATRIOT ampliando poderes de vigilância. Mudança nas atitudes públicas sobre privacidade versus segurança. |
Estes exemplos ilustram o padrão crise → consciência elevada → transformação. Apesar do sofrimento profundo que provocaram, estas crises estimularam mudanças significativas na sociedade americana.
O Outro Lado: Quando as Crises Dividem ou São Manipuladas
É importante notar que nem sempre as crises resultam automaticamente em maior consciencialização ou unidade. Traumas nacionais podem ser explorados ou resultar em retrocessos, um ponto frequentemente destacado por sociólogos e historiadores. A autora Naomi Klein, por exemplo, alerta que as elites muitas vezes utilizam a desorientação pública durante crises para avançar com agendas controversas. No seu livro "The Shock Doctrine", Klein argumenta que "a história do mercado livre contemporâneo foi escrita através de choques", indicando como catástrofes, desde o golpe no Chile em 1973 até ao furacão Katrina, foram aproveitadas para promover reformas radicais pró-mercado.
A história recente confirma algumas destas preocupações. A unidade após o 11 de Setembro rapidamente se dissolveu, resultando em profunda divisão sobre a Guerra do Iraque e direitos civis. A elevada consciencialização sobre ameaças terroristas conduziu também a resultados controversos, como a erosão da privacidade pela Lei USA PATRIOT e incidentes de preconceito anti-muçulmano. Da mesma forma, o aumento do envolvimento cívico durante a presidência de Trump ocorreu juntamente com uma polarização acentuada, resultando numa consciência coletiva fragmentada e dividida.
Finalmente, surge a questão da intencionalidade: serão as atuais crises "projetadas" para gerar um despertar, ou são simplesmente resultado de uma disfunção política?
Muitos historiadores sugerem que crises são inevitáveis em qualquer sociedade, cabendo aos cidadãos e líderes decidir como reagir. Algumas administrações podem aproveitar o caos estrategicamente, mas frequentemente, como diz o ditado, "nunca deixam uma crise séria ser desperdiçada". Se a turbulência atual levará a um salto na consciência nacional dependerá de como os americanos canalizarem o seu desconforto: para reflexão construtiva e reforma, ou para o medo e divisão adicional.
Conclusão
A história americana demonstra que períodos de grande desconforto e crises profundas podem tornar-se catalisadores para a renovação nacional. Momentos como a Grande Depressão, o movimento pelos Direitos Civis e o pós-Watergate evidenciam que, apesar de dolorosos, esses períodos frequentemente impulsionam transformações sociais significativas. Contudo, esse despertar não é garantido. A crise pode igualmente conduzir ao medo, à divisão ou até ao retrocesso social.
O atual cenário político e social poderá estar a preparar terreno para uma cidadania mais envolvida e consciente, exigindo melhores práticas das suas instituições e de si própria. O desconforto é evidente e está a levar milhões a prestar atenção. A questão determinante será se essa energia se canalizará para uma reflexão produtiva e ações positivas, ou se alimentará ainda mais polarização. O futuro dependerá das escolhas que a sociedade americana fizer agora, inspirando-se nas lições do passado para enfrentar coletivamente os desafios do presente.

Uma pintura hiper-realista retratando uma multidão diversificada de americanos unidos numa praça da cidade, durante um momento de reflexão nacional. As emoções estão profundamente gravadas em cada rosto—dor, desafio, esperança e solidariedade. Nuvens de tempestade agitadas pairam acima, perfuradas por raios de sol, simbolizando uma consciencialização frágil mas crescente. Atrás deles, ecos subtis de lutas passadas—a Grande Depressão, marchas pelos direitos civis e a união após o 11 de Setembro—emergem discretamente na arquitetura, recordando aos espectadores que a crise atual assenta sobre os alicerces da história. Um retrato poderoso de uma nação suspensa entre a adversidade e a transformação.