Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal
Entre Memórias e Desafios: Uma Nova Perspetiva sobre Minhas Raízes
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Raízes em Santa Comba: Infância no Coração de Angola Colonial
Nasci em 1959, no hospital da Cela em Kissanga Kungo, e cresci em Santa Comba – hoje denominada Waku Kungo – no coração da província do Kwanza Sul, Angola. No final da década de 1950, Santa Comba era um pequeno mundo à parte: um assentamento colonial onde colonos portugueses e angolanos locais conviviam sob o mesmo céu tropical.
A localidade nascera como parte do Colonato da Cela, um ambicioso projeto agropecuário lançado em 1952 para atrair centenas de famílias portuguesas ao fértil planalto do Amboim pt.wikipedia.org. Não por acaso, deram à vila central o nome de Santa Comba, em homenagem à vila portuguesa de Santa Comba Dão – terra natal do então ditador António de Oliveira Salazar pt.wikipedia.org. Nesse canto de Angola erguia-se até uma igreja matriz desenhada pelo arquiteto Fernando Batalha, réplica fiel da igreja de Santa Comba Dão verangola.net, sublinhando o peso simbólico que a metrópole imprimia naquela terra.
Para mim, porém, Santa Comba significava sobretudo lar e infância. Foram anos de inocência vividos entre a paisagem do mato e as tradições familiares, embalados pelo ritmo calmo da vida no interior colonial. Angola atravessava então uma época de profundas transformações socioeconómicas, em que o desenvolvimento do sistema de ensino local se fazia notar elmirochaves.com.
A modernização trazia esperança, mas também se sentia no ar uma inquietação latente: à medida que a década de 1960 avançava, as contradições do regime colonial tornavam-se cada vez mais gritantes. Em 1961 deflagrou a luta armada pela independência, e o país entrou em convulsão. A Guerra Fria adicionou combustível a este fogo – as superpotências envolveram-se no conflito angolano, utilizando o país como um verdadeiro tabuleiro de xadrez para expandir as suas áreas de influência
elmirochaves.com. Aquilo que até então era o meu pequeno mundo seguro em Santa Comba começava a ser abalado por forças muito maiores, prenunciando mudanças drásticas.
A Tempestade da Independência: Guerra Fria e Ruptura
Os anos imediatamente anteriores à independência foram particularmente conturbados. A partir de 1974-1975, Angola tornou-se palco de confrontos entre movimentos de libertação rivais, cada qual apoiado por aliados estrangeiros em plena Guerra Fria. Em agosto de 1975 – antes mesmo da proclamação oficial da independência – a guerra civil já grassava no país, forçando famílias como a minha a abandonarem tudo da noite para o dia. Lembro-me vivamente do caos e do medo: tiros ao longe, malas feitas à pressa, lágrimas e despedidas apressadas.
No dia 6 de agosto de 1975, Santa Comba colapsou. Pressionada pelos combates entre UNITA, FNLA e MPLA, a população de origem portuguesa da vila foi forçada a fugir às pressas pt.wikipedia.org. A maioria dos moradores foi resgatada pela Cruz Vermelha Internacional e transportada de avião para Portugal pt.wikipedia.org
– a minha família estava entre eles.
Deixávamos para trás a terra natal, sem saber se algum dia a veríamos de novo. Anos mais tarde, transformei a memória dessa fuga em poesia, como que para purgar a dor: “Chegamos a Huambo com esperanças, a Cruz Vermelha nos deu novas asas, e para Portugal voamos…” elmirochaves.com. Cada verso carrega a angústia do exílio e a saudade imediata de Angola. Eu, então com 16 anos e meio, via-me de repente desenraizado, arrancado do solo que moldara a minha identidade até ali. Portugal seria apenas uma etapa breve; o destino final da nossa busca por segurança ficava ainda mais longe.
Exílio e Aculturação: Desafios no Novo Mundo
Atravessado o mar, abriram-se diante de mim as avenidas estranhas de outro continente. Nos anos finais da década de 1970, emigrámos para os Estados Unidos, iniciando vida nova em solo americano. A travessia física foi apenas o primeiro obstáculo; o verdadeiro embate veio ao aterrar num mundo completamente distinto do meu.
De um dia para o outro, precisei aprender uma nova língua, decifrar costumes alheios e encontrar meu lugar numa sociedade que mal conhecia. O choque cultural foi intenso: a comida não tinha os temperos da minha terra, o céu não era aquele azul familiar do planalto angolano, e o idioma inglês soava-me distante, incapaz de traduzir a plenitude do que eu sentia.
Experimentei na pele a solidão do migrante – aquela sensação de ser estrangeiro em toda a parte, de pertencer simultaneamente a lugar nenhum e a lugar algum.
Ainda assim, foi também em terras americanas que reencontrei a esperança. Acolhido por comunidades de língua portuguesa e por colegas generosos, consegui retomar os estudos e, gradualmente, reconstruir minha trajetória. Cada pequeno triunfo – desde terminar a faculdade até conseguir o primeiro emprego como engenheiro – era uma vitória sobre os desafios do exílio.
Eu repetia a mim mesmo que precisava manter o equilíbrio, com um olhar no futuro mas os pés firmes nas minhas raízes, mesmo que essas raízes estivessem a um oceano de distância. Por isso, nunca deixei de cultivar minhas referências de origem: falava português em casa, cozinhava pratos angolanos quando podia, e partilhava com os filhos as histórias de Santa Comba e da nossa família. Essa ponte invisível entre o ontem e o amanhã foi o que me sustentou nos momentos mais difíceis, dando-me forças para não esquecer quem eu era apesar de estar num novo mundo.
Poesia e Identidade: A Voz de Camões no Exílio
Nesse processo de reconstrução longe da terra natal, a poesia tornou-se minha aliada e minha terapia. Desde 1975, passei a derramar no papel as emoções que não cabiam no peito – mágoas, saudades, esperanças e sonhos adiados de um jovem forçado a crescer depressa. Os meus primeiros textos literários surgiram precisamente como uma forma de lidar com o impacto de deixar Angola em 1975, um momento crucial que marcou o início de uma nova vida elmirochaves.com.
Era escrevendo que eu conseguia revisitar memórias e dar sentido ao turbilhão de sentimentos de um refugiado adolescente. A cada poema, eu voltava a Santa Comba em pensamento: ora revendo a imagem do Hospital da Cela, onde tudo começara, ora conversando com as sombras dos que lá ficaram.
Escrever ajudou-me a manter viva a ligação com Angola e com a língua portuguesa. Apaixonado pela nossa literatura desde a escola, busquei inspiração nos clássicos para moldar a minha voz poética. A influência de Luís de Camões, em especial, tornou-se uma fonte constante de inspiração na minha escrita elmirochaves.com. Passei a compor sonetos de estilo camoniano, adotando o mesmo rigor estético que Camões empregava – tanto na forma dos versos quanto no compromisso com a excelência literária –, numa homenagem explícita a essa grande figura da nossa cultura elmirochaves.com. Em cada verso que crio, ecoa um pouco da grandiosidade de Camões e da alma lusitana, fundindo-se com as vivências africanas que carrego comigo. A poesia tornou-se, assim, não apenas um refúgio emocional, mas também o espelho da minha identidade mestiça de culturas.
Hoje, ao revisitar as minhas raízes, percebo que estou sempre a navegar entre memórias e desafios – tal como o título desta jornada sugere. Da pequena Santa Comba ao vasto mundo, a minha trajetória foi marcada pela dor da partida, pela coragem da adaptação e pela constante procura de sentido. Entre lembranças de um passado que ainda me chama e os desafios de um futuro que construí com esforço, descobri uma nova perspetiva sobre quem eu sou. E é neste equilíbrio delicado entre passado e futuro que encontro força para contar a minha história, com sensibilidade e verdade, esperando cativar o leitor a embarcar comigo nesta viagem de reencontro com as origens.
Entre Dois Mundos: O Equilíbrio entre Passado e Futuro
Hoje, ao revisitar as minhas raízes, percebo que estou sempre a navegar entre memórias e desafios – tal como o título desta jornada sugere. Da pequena Santa Comba ao vasto mundo, a minha trajetória foi marcada pela dor da partida, pela coragem da adaptação e pela constante procura de sentido. Entre lembranças de um passado que ainda me chama e os desafios de um futuro que construí com esforço, descobri uma nova perspectiva sobre quem eu sou. É neste equilíbrio delicado entre passado e futuro que encontro força para contar a minha história, com sensibilidade e verdade, esperando cativar o leitor a embarcar comigo nesta viagem de reencontro com as origens.
Este reencontro não é apenas pessoal; é uma celebração coletiva da história e cultura de Santa Comba – atual Waku Kungo – e de toda uma geração de angolanos que viveram tempos de profundas mudanças e incertezas. Minhas palavras pretendem homenagear aqueles que, como eu, tiveram de deixar para trás a segurança do conhecido, enfrentando o exílio e reinventando-se constantemente em novas terras.
Ao longo destas páginas, convido o leitor a refletir sobre o impacto duradouro da Guerra Fria nas vidas individuais, as feridas profundas causadas pela descolonização apressada, e a capacidade humana extraordinária de superar adversidades através da expressão artística e do cultivo das tradições. Santa Comba não é apenas um ponto de partida geográfico na minha narrativa; ela simboliza uma comunidade cujas histórias merecem ser contadas e preservadas, sobretudo num mundo cada vez mais globalizado e sujeito à erosão cultural.
A poesia, que surgiu em minha vida inicialmente como um escape emocional, tornou-se progressivamente uma ferramenta essencial para expressar minha identidade híbrida. Através dela, pude explorar e comunicar sentimentos complexos de perda, saudade e esperança, compondo um mosaico emocional em constante expansão. Cada poema ou texto que produzo carrega consigo um fragmento da minha alma luso-angolana, profundamente marcada pelas vivências em Santa Comba e pelas experiências nos Estados Unidos.
Por fim, este capítulo não marca apenas o encerramento de um relato autobiográfico, mas o início de uma conversa mais ampla sobre a importância de preservar identidades culturais únicas em tempos de mudanças aceleradas. Desejo inspirar o leitor a olhar para dentro de si mesmo, reconhecer a riqueza das suas próprias raízes e compreender que é precisamente na valorização do passado que podemos construir um futuro mais consciente, inclusivo e humano.
Fontes: ElmiroChaves.com (experiências pessoais, poesia e contexto histórico-cultural), Wikipédia (informações históricas sobre Santa Comba/Waku Kungo e Angola colonial), VerAngola (referências culturais locais).

Soneto Final: Entre Dois Mundos
Entre mundos distantes vou vivendo,
Raízes em Angola tão amada;
Exílio, dor da terra abandonada,
Num mar de emoções vou me refazendo.
Santa Comba na alma vou trazendo,
Waku Kungo, memória preservada;
Minha história, em verso retratada,
Em duas pátrias sigo me movendo.
Na poesia achei nova verdade,
Que a saudade traduz em cada verso,
E me ajuda a enfrentar a tempestade.
Neste encontro sutil e tão diverso,
Passado e futuro em unidade,
Sou Angola e o mundo no universo.
MIRO
