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Na estação de comboios de Lisboa, onde o murmúrio do passado se entrelaça com o presente, Isabel encontrava-se imersa num silêncio carregado de memórias e de sonhos esquecidos. Era como se cada recanto da estação, cada banco de madeira envelhecida e cada janela manchada de chuva contasse histórias de despedidas e reencontros de outrora. Sob a atenta vigília do Castelo de São Jorge, que dominava a cidade desde a sua posição altaneira, Isabel esperava. O castelo, símbolo eterno de lutas e glórias, assistia silenciosamente a esse momento de passagem, conferindo à cena uma aura mítica, como se os ecos de batalhas e de amores antigos ainda se faziam ouvir nas suas pedras gastas pelo tempo.


Vestida com um traje que evocava tempos distantes, como se tivesse sido arrancada de um romance de outrora, Isabel parecia carregar consigo o peso suave de uma época em que os gestos eram medidos e as despedidas, cerimoniosas. O seu guarda-chuva, aberto com uma delicadeza quase ritualística, refletia os matizes prateados do alvorecer – ou talvez do crepúsculo, dependendo do olhar melancólico de quem o visse – que tingiam a plataforma húmida com uma luz tênue e misteriosa. Cada gota de orvalho, repousada sobre o metal frio e as pedras antigas, fazia brilhar a memória de momentos que se foram, como relíquias de um tempo onde cada instante era celebrado com a intensidade de um adeus eterno.


Ao fundo, uma locomotiva a vapor, robusta e carregada de histórias incontáveis, preparava-se para iniciar a sua jornada. Ela parecia ser uma testemunha silenciosa das eras passadas, com a sua carruagem de ferro ressoando os ecos de viagens que atravessavam não só o espaço, mas também o tempo. A fumaça espessa que emergia da sua chaminé formava um véu enigmático, como se escondesse segredos de aventuras e amores que haviam sido deixados para trás. Cada assobio e cada estremecer dos trilhos anunciavam o começo de uma travessia que prometia reviver as esperanças e as dores de tantos corações que, como Isabel, um dia se entregaram ao mistério das partidas.


Com o olhar perdido no horizonte, Isabel oscilava entre a expectativa de um reencontro há muito desejado e a imersão em profundas reflexões que a levavam a reviver momentos de ternura e de desilusão. O seu semblante, marcado pela delicada linha da saudade, revelava uma alma que conhecia bem o sabor agridoce da espera. A viagem que se avizinhava era comparável a uma tela em branco, pronta a ser pintada com as cores vibrantes dos sonhos e das reminiscências. Cada raio dourado que despontava, filtrado pelas nuvens, transformava-se em uma pincelada de luz que delineava um cenário onde o real e o imaginário se fundiam numa dança etérea. O comboio, com a sua essência de relicário do tempo, prometia conduzi-la a um lugar onde as histórias do passado se entrelaçavam com os anseios do presente, criando um mosaico de emoções que jamais se apagaria.


O imponente Castelo de São Jorge, que há séculos guardava os segredos da capital, impregnava toda a cena com uma aura de lendas ancestrais. Cada torre e cada muralha pareciam sussurrar contos de cavaleiros, de rainhas e de amores proibidos, enquanto o sol, num lento ritual, acariciava as pedras com luz dourada. Nesse cenário de beleza atemporal, o tempo parecia ter parado, permitindo que passado e presente se encontrassem num abraço terno e melancólico. Ali, na quietude quase sagrada da estação, Isabel tornava-se a personificação viva da saudade – aquele sentimento tão intrinsecamente português, carregado de uma melancolia que ecoa no coração e na memória, lembrando-nos que o que se perde, na verdade, jamais se desvanece completamente.


Quando o comboio ganhou vida, o seu vapor espalhou-se pelo ar como uma dança etérea, transformando a estação num palco onde a esperança e a nostalgia se encontravam. O som ritmado dos trilhos, o crepitar da máquina e o sussurro dos ventos formavam uma sinfonia discreta, quase como se a própria natureza lamentasse a passagem do tempo. Cada nota daquele concerto de despedida parecia anunciar que, embora o adeus fosse inevitável, cada partida trazia consigo a promessa de um reencontro futuro. Com uma determinação silenciosa, Isabel deu um passo rumo ao desconhecido, deixando para trás a serenidade de um instante que se sentia interminável e avançando para o mistério que se desvelava a cada instante, como as páginas de um livro antigo que nunca deixa de surpreender.


À medida que o comboio se afastava, a sua silhueta dissolvia-se na distância, fundindo-se com o horizonte que se pintava com as cores quentes do entardecer. O vapor, que ainda dançava no ar, carregava consigo não só os sonhos e as histórias que ali se entrelaçavam, mas também a esperança de novos encontros, de novos recomeços. O horizonte inexplorado, vasto e misterioso, servia de cenário para um enredo onde cada partida era, ao mesmo tempo, uma semente de renovação. A luz que se esvaía no ocaso lembrava que, apesar da efemeridade de cada momento, a vida é composta por ciclos intermináveis de encontros e despedidas, onde a saudade se torna o fio invisível que une os corações distantes.


No coração pulsante da estação, cada detalhe contribuía para um retrato que mais parecia ter sido pintado com as tintas do tempo. As paredes, marcadas pelo desgaste dos anos, contavam histórias de incontáveis almas que ali passaram, cada uma com os seus sonhos, as suas dores e as suas esperanças. O eco distante de passos apressados, o murmúrio das conversas em várias línguas e o suave tilintar dos sinos da igreja próxima formavam um pano de fundo que elevava a experiência a um nível quase transcendente. Tudo conspirava para que aquele momento se transformasse num relicário de emoções, onde a nostalgia não era apenas um sentimento, mas sim a essência de cada suspiro, de cada olhar furtivo lançado para o passado.


A presença de Isabel, tão serena e introspectiva, parecia ser uma resposta silenciosa a todas aquelas histórias por contar. Cada ruga sutil no seu semblante, cada brilho melancólico nos seus olhos, narrava a sabedoria de alguém que viveu intensamente os altos e baixos da existência. Ela era, ao mesmo tempo, testemunha e partícipe de um ciclo eterno, onde o adeus se mesclava com a esperança e a dor com a alegria. Enquanto esperava o comboio que a levaria a um destino incerto, Isabel revivia, em pensamento, os momentos que a formaram – os sorrisos, as lágrimas, as despedidas e os reencontros que marcaram a sua jornada. Era como se a estação de comboios se transformasse num altar sagrado, onde cada partida era uma oferenda à memória, e cada chegada, uma celebração da vida.


O cenário lisboeta, com a sua arquitetura centenária e as ruas ladeadas por azulejos que brilhavam sob a luz do sol poente, intensificava ainda mais a sensação de nostalgia. O Castelo de São Jorge, erguido com a imponência dos tempos medievais, lançava sombras longas e suaves sobre a cidade, como se protegesse os segredos de cada alma que ali passara. A própria cidade parecia suspensa num instante de tempo, onde as fronteiras entre o ontem e o hoje se dissolviam, revelando a continuidade de uma história que se recusa a ser esquecida.


Quando o comboio finalmente partiu, levando consigo o perfume do fumo e a promessa de novas aventuras, o ar ficou impregnado de uma sensação de despedida que era, ao mesmo tempo, agridoce e consoladora. A melodia suave do motor e o som ritmado dos trilhos acompanhavam o adeus, enquanto cada passo dado por Isabel marcava o início de uma nova etapa, um salto de fé rumo ao desconhecido. A paisagem, agora tingida pelos tons alaranjados e rosados do crepúsculo, transformava-se num quadro impressionista onde cada pincelada de cor refletia a beleza efémera de um momento que jamais se repetiria.


Neste retrato imortal, a figura solitária de Isabel, o comboio que a conduzia, o Castelo ancestral e o céu que se tingia de laranja compunham um enredo de partidas e de reencontros, de dores e de esperanças, de amores perdidos e de sonhos que se renovam a cada alvorecer. Era um adeus repleto de significados profundos – um lembrete de que, por mais que o tempo avance, cada instante vivido deixa uma marca indelével na alma, tecendo, com fios invisíveis, o eterno ciclo de encontros e despedidas que caracteriza a existência humana.


Assim, naquela estação de comboios, onde o presente se fundia com o eco do passado, Isabel emergia como a personificação da saudade. Em cada gesto, em cada olhar, revelava a beleza triste e sublime de um tempo que se foi, mas que continua a viver na memória de cada pedra, de cada trilho e de cada sussurro do vento. E assim, enquanto o comboio se perdia na vastidão do horizonte, a esperança de um novo recomeço, a doce promessa de novos encontros, permanecia como a única certeza num mundo em constante mutação, onde cada partida é, na verdade, o prelúdio de uma nova história a ser contada.


Soneto da Partida

Na penumbra da aurora, Isabel espera,

sob o castelo que em vigília se ergue altivo;

com a alma repleta de sonho tão vivo,

e a memória antiga no seu peito impera.


O comboio, em fumo, desvela o destino,

nuvens e suspiros encobrem a partida,

e sussurros narram a doce despedida,

enquanto Isabel, com fé, abraça o divino.


Ó Lisboa, berço de antigos amores,

o teu céu reveste-se de místico ardor,

entre luz e névoa cintila o fulgor.


No adeus suave ecoam velhos clamores,

novos caminhos despontam com vigor,

e o destino rende-se ao esplendor.








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