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Os Putos de Angola: Uma Memória da Infância em Terras de Sonhos

fev 16

2 min de leitura

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Por vezes, uma música transporta-nos para um tempo que julgávamos perdido. Assim é Os Putos, de Carlos do Carmo, uma canção que me remete para as ruas da minha infância em Angola, onde os putos — como na canção — corriam pelas ruas de terra batida, com os pés descalços e os sonhos nas mãos.


Crescer em Angola, especialmente nos anos que antecederam a sua independência em 1975, era viver numa terra de contrastes. Havia o riso fácil das crianças, a liberdade de brincar ao sol, mas também a sombra de um futuro incerto. Como putos, éramos senhores do nosso pequeno universo — o bairro, o campo de futebol improvisado, os rios onde pescávamos e as mangueiras onde nos pendurávamos, colhendo os frutos que a terra generosa oferecia.


Tal como na canção, carregávamos uma sede de aventura. Inventávamos mundos, desenhávamos sonhos nas nuvens e acreditávamos que o amanhã seria sempre melhor. Mas, ao mesmo tempo, víamos ao nosso redor os sinais de um país em mudança, onde os adultos falavam em sussurros e o som de helicópteros no horizonte nos lembrava de que nem tudo era brincadeira.


Havia, porém, uma coisa que nunca nos roubavam: a alegria. Era essa alegria que nos tornava resilientes, que nos fazia ver o mundo com olhos brilhantes, mesmo quando os desafios eram maiores do que poderíamos compreender. Como as crianças da canção de Carlos do Carmo, éramos “malmequeres com pétalas a mais”, cheios de esperança e, talvez, uma sabedoria intuitiva que só as crianças possuem.


Hoje, ao lembrar-me desses tempos, vejo Angola como um palco vibrante onde vivi os anos mais marcantes da minha vida. É uma memória que carrego com amor e saudade, um testemunho do poder do sonho e da resiliência. Angola moldou-me com a sua luz e as suas sombras, ensinando-me a valorizar tanto as dificuldades quanto as alegrias.


Tal como Os Putos, também nós esperávamos por um “carro de bois que nos levasse para um mundo melhor”. Mas, com o tempo, compreendi que o melhor mundo não é aquele para onde somos levados, mas aquele que construímos — com as memórias, com a força que ganhámos no caminho e com o amor pelas nossas raízes.


E assim, nas palavras de Camões, um tributo à infância, à terra e aos sonhos:


Ó putos, que sois da pátria a esperança,

De pés descalços, mas alma tão pura,

Sois a alegria que o tempo não cansa,

A flor que desponta em toda a ventura.


Angola vos deu o sol que vos dança,

O riso nos campos, a vida segura;

Mas guarda também, nas noites, a lança,

Que fere o futuro de forma obscura.


Cantai, meus putos, o sonho em vossas mãos,

Pois sois o sustento de toda a memória,

O ontem que vive no peito tão são.


E mesmo que o tempo vos leve à glória,

Nunca esqueçais as ruas que, então,

Vos deram a força que faz a vitória.


Aqui fica a homenagem, um misto de saudade e orgulho pela terra e pelo tempo que moldaram o espírito de quem hoje escreve e recorda.



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